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Não entendo o Brasil
(Denis Russo Burgierman)

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Não entendo o Brasil

Escrevo este post no começo da tarde de segunda-feira. Daqui a pouco, 11 homens de amarelo vão se alinhar solenes em Johannesburgo enquanto aguardam os triunfais acordes iniciais do Hino Nacional Brasileiro, o popular “Ovirudum”. Todos eles acompanharão com os lábios os versos iniciais. E, depois, provavelmente, irão parar de cantar, por desconhecerem a letra.

Um hino nacional é um símbolo da pátria. Fico me perguntando o que o Hino Nacional Brasileiro simboliza então. Para mim, simboliza a falta de vontade do estado de se fazer entender pelo povão.

Como se sabe, a sentença inicial do hino, se fosse ordenada de maneira direta, seria “As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico”. Simples assim. Aí, num esforço para complicar as coisas, a frase foi picotada em pedacinhos e remontada toda ao contrário. “A pátria não é para você entender”, é o que este hino me diz. Típico de um país inventado por uma elite que estava preocupadíssima em não se misturar com o populacho.

Vejo em todas as partes esse descompromisso do Brasil com facilitar as coisas para a população.

Por exemplo, acabei de pagar uma conta, pela internet. O site do banco me pediu para digitar a série de números acima do código de barras. Cada um dos dígitos mede pouco menos de dois milímetros de altura. A série de números começa assim: 85800000016-0. São seis zeros seguidos, um coladinho no outro, quase indistinguíveis. E depois vêm mais três outras séries de números como essa. Um total de 48 algarismos. Por sorte, aos 37 anos, minha vista ainda não está cansada. Mas enxergar esses números seria impossível para o meu pai, por exemplo. Lembro de como era pagar contas nos Estados Unidos: era digitar meu número de segurança social (algo como o cic de lá) e pronto.

Outro exemplo. Ontem à noite, peguei um ônibus. Reparei no “painel de informações” do ponto de ônibus. Era assim:

Absolutamente incompreensível. Olhando este mapa, não dava para saber como se conectar aos outros corredores de ônibus, não dá para ter ideia de que ônibus leva para que lugar, não dá para colocar a avenida onde eu estava no contexto da cidade. Claro, era minha obrigação saber qual ônibus pegar – assim como cabe a mim descobrir qual é o sujeito e qual é o predicado do hino nacional.

Exemplo ainda mais assustador dá para encontrar na linguagem jurídica brasileira, cheia de jargões, de referências cifradas, de palavras pouco usuais. Há um tempo atrás, editei uma revista chamada Gotas e um advogado divertido chamado André Salomé escreveu para nós uma matéria sobre o juridiquês. O exemplo dele: “pelo princípio da insignificância, a caracterização da conduta como furto famélico elimina a tipicidade material, excluindo-se, dessa forma, a tipicidade conglobante e, por conseguinte, a tipicidade penal. Dessa forma, sendo atípica a conduta, não há crime.”. Ou, em português: “roubar para comer não é crime”. Advogados, juízes e legisladores falam uma outra língua, incompreensível para o cidadão médio. Truque básico para deixar a lei inalcançável.

Eu mesmo, como jornalista, sinto a pressão por escrever difícil. A cada vez que uso um texto um pouquinho mais coloquial, recebo alguma reclamação afirmando que estou “baixando o nível”. Baixar o nível, no caso, é se fazer entender. E assim vamos perpetuando essa bobagem fundadora do Brasil: a de querer falar difícil para provar que não somos “qualquer um”.

Portanto, se eu estivesse alinhado, de amarelo, no campo de futebol, enquanto soa o belo Hino Nacional, manteria meus lábios cerrados. Que “fúlgidos” o quê? Que “penhor”, que “garrida”, que “fulguras”? O que importa é fazer gol. Isso eu sei o que é



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