O discurso encarnado: ou a passagem da carne ao corpodiscurso
(Leonel de Souza; Levi)
Apresento aqui o percurso da dissertação de mestrado "O discurso encarnado" e algumas consequências de se falar do corpo do sujeito tendo como perspectiva os saberes da Análise de Discurso, numa pesquisa teórica. O objeto de estudo foi um problema enunciado como a passagem da carne ao corpo como efeito do discurso. O autor tratou de complexificar a evidência do corpo, uma vez que este aparece como instância nodal do sujeito nos diversos saberes, impondo que só há sujeito em um corpo. Esta aparição do corpo à frente de qualquer relação do sujeito com o mundo encobre sua gênese e constituição. Nesta constituição fica esmaecido que o corpo é, em primeira instância, ainda que teórica, carne. A carne passa a corpo por um processo, que chamou, naquele texto, discursivização da carne, trabalho realizado ciosamente pelos agentes ideológicos que cuidam de imaginá-la, esperá-la, erguê-la, educá-la, administrá-la, alocá-la em corpodiscurso. Todo esse longo processo de discursivização da carne – cuja gênese vem desde antes da concepção e nascimento do indivíduo, se estende por toda sua vida – e não se acaba com o desaparecimento da carne. Esse infinito trabalho e retrabalho do corpo é feito discursivamente e isso implica língua, linguagem, história, ideologia; tendo isso em jogo trouxe à cena as conquistas teóricas da Análise do Discurso, a partir de Pêcheux e Orlandi, autores fundamentais na dissertação, para entender e ampliar a compreensão do corpo como efeito de linguagem, consolidando sua apresentação como a corporificação do discurso. O corpo seria a materialidade do sujeito apropriada pelo Estado, remarcado pelas instâncias ideológicas e enformado por uma dialética política. Tal processo erige a subjetividade, desde que entre em cena uma tela de sustentação ideológica, cujos nós são as famílias e seus valores históricos. Foi nesse entremeio que a dissertação buscou entrever o como se dá a discursivização da carne em corpo, em que lugar isso acontece, em que momento, em que presença. De Louis Althusser emprestou a máxima “indivíduo interpelado em sujeito pela ideologia”, para desenvolver a idéia de que o sujeito é um efeito ideológico elementar. De D. W. Winnicott usou a expressão “preocupação materna primária”, estado especial da mãe ou de quem faz a maternagem, como o momento onde os efeitos ideológicos se fazem apresentar por meio do corpo maternante e da maternagem. Essa “língua” materna, faz com que a língua estrangeira – a língua do outro – se torne familiar, e que o sujeito, por meio da inscrição deste texto na carne, faça o processo de identificação ideológica. Relembrou, numa teoria do discurso, que este processo se dá no e com o corpo do indivíduo inicial, na carne nascente. Ao interpretar a carne para o bebê a instância maternante erige o corpo, e nessa construção surge o sujeito. O autor fez, no correr do texto, um grande esforço teórico para entender a discursividade do corpo, onde a carne aparece imbricada desde sempre à ordem de um discurso, funcionando dentro de uma dada formação discursiva, em um dado espaço social. Sugere que não se pode vislumbrar o sujeito e seu corpo-carne fora de uma formação social, que por sua vez se atrela ao urbano, com veria em Orlandi (2007). Autores como Freud, Lacan, Winnicott, Althusser, foram convocados a sustentar uma argumentação que se deu na presença do sentido de carne como um impossível de se ordenar, como a ponta do real no corpo do sujeito, surgindo como algo a se matar pela discursivização. Em um certo momento do trabalho se tornou necessário perguntar como se dá a discursivização da carne. A aparição do indivíduo à ordem do discurso, pelo nascimento, sucederia um longo estágio em que este era vivido pela mãe, que lhe emprestava o corpo para sua construção fisiológica. Neste período, que vai da concepção ao nascimento, em absoluta dependência, o indivíduo seria um ente fora da ordem discursiva, desde o ponto de vista da carne – embora sua hospedeira se confunda com o mundo, atravessada pela linguagem – um coágulo discursivo na massa universal do discurso. Nela, vagarosa e resolutamente, uma nova coagulação, que virá a ser um sujeito respondente por um “eu”, começa sua aparição. Sugerido pelo autor que a carne não teve uma gênese a não ser teórica, essa pode ser uma maneira de ilustrar a máxima althusseriana “o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia”, à qual aludiu no início da investigação. Finalmente, enumera um certo tanto de pontos a trabalhar na compreensão do corpo discursivo. O estudo da subjetivização foucaultiana está nesta direção, bem como sua pesquisa, inacabada sobre a substância ética sexual. Sugere o estudo da administração biopolítica e o biopoder sobre os corpos vivos dos sujeitos (Foucault, Deleuze, Agamben). Acredita que será necessário estudar a constituição da cidade para saber dos destinos do corpo e do sujeito. Outro apontamento se define ao propor o termo composto corpo-discurso (como um corpo discursivo ou corpo do discurso); em seguida irá prospectar na Análise de Discurso o estatuto do corpo, seguindo os apontamentos de Orlandi e Pêcheux, bem como da psicanálise de extração lacaniana num diálogo com Winnicott. O autor se pergunta que outro termo levantar para dar conta desse corpo estranho ao sujeito e caro ao Estado e Ideologia e se ao colocar a barra entre sujeito e corpo (corpo/sujeito) fez algum progresso em entender as relações discursivas do sujeito com seu corpo a partir de uma certa carne teórica.
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