O que diz Molero
(Dinis Machado)
Descreve-nos o autor uma rememoração do que terá vivido e sonhado um rapaz nascido no Portugal de 40, num estilo arrebatador, desassombrado e extremamente exigente da atenção do leitor.
Fá-lo com a ajuda de três investigadores: Mister de Luxe, o chefe, Austin, e o Molero, que andou de Seca em Meca atrás de “ o rapaz”.
“ Há mais espaço na tua mão do que aquele que a águia pode alcançar, hás-de andar e andar até encontrar a última fronteira”,- dissera-lhe a cigana. E perante Mister de Luxe, Austin lê o relatório de Molero sobre o que ao “ rapaz “ terá sucedido na demanda de si.
“ De um meio em que proliferava a cópula a taxímetro (…) “ havia nascido de uma mãe que se obrigava, resignada, a sofrer na cama o álcool de um marido que jogava bowling com as garrafas acabadas de escorropichar. Os gemidos da mãe e a grosseria sem nome de “ um objecto agressivo com forma humana” e com nome de pai, ali ao lado, puseram-lhe “ o ego em papas” até que um dia “ o rapaz” se pirou de comboio para França, de onde saiu para o mundo.
Mas é o “ país de cristal “ de que recordava episódios da “ infância perdida”: Como aquele dos macacos que tirava do nariz , o do aparelho dental por causa dos dentes tortos lançado fora por conta da sua virilidade junto do grupo, as campainhadelas nas portas a desoras, as mijadelas nas paredes, a vistoria das piças, os encostos nas mulheres e outros como o bofetão no admirado Zuca quando até o sangue se lhe espichou do nariz. “O rapaz” nunca mais o viu da mesma maneira. Foi a queda de um mito. De tudo se lembrava.
Preocupado em apanhar “ peixe vivo” conta Molero como, numa deambulação de marinheiros americanos pela bairro, aconteceu “ o maior fogo-de-artifício de que há memória em matéria de pancadaria ”. (…) uma coisa iglantónica”, como diria Zuca.
Havia o amigo do pai com o Rato Mickey tatuado no peito e que gostava de boxe. Contava -lhe o combate entre Bowen e Burke em que nenhum deles perdeu porque tinham “ molas na alma “ . E viu uma vez a mão da mãe tocar no rosto do homem que um dia saiu triste para nunca mais voltar .
Com Mireille viveu uma relação atormentada, “ porque ele não podia ouvir o ranger da cama” nem os gemidos da mãe, faziam aquilo no chão.” Conheceu Leduc, ginasta ,cuja “ ambição era fazer um Cristo perfeito e demorado”. Sem família este deixou-se conduzir pela amizade de “ o rapaz” que não lhe conseguiu evitar “ uma fuga para o mar”
Mas há uma parte que falta ao relatório, e que se escapa,” como a verdade de um súbito olhar límpido de mulher”, “ como aquela ” bola amarela de criança que vem devagar tocar-nos nos pés, (…) a emoção de roubar ninhos (…) “ - refere Austin.
E houve Erculano, feito de recusas sistemáticas à espera da palavra-resumo das fontes do instinto num café onde desaguou “ o rapaz” de negro por causa da morte do pai.
Por entre Mireille e Mariana , o segundo amor da sua vida depois da Greta Garbo também poetava : ( …) Nos meus olhos ardem estrelas encharcadas que rodeiam de azul a tua altura.(…) E escreveu Angel Face inspirado no mais belo de todos os rostos de mulher que havia visto no comboio.
Mas o que interessa é “ a tusa ” e o Zé das Roscas tinha que chegava para uma casa de família fazendo mesmo buracos nas paredes para neles se espremer, afirmava o Evaristo que uma vez encontrou “ o rapaz” em Paris e falou-lhe num chá revigorante.
Com a Morango, que herdou de Leduc, entrou num deboche desenfreado, ocultando os pormenores porque ” quem faz tem relutância em contar, quem não faz é capaz de contar sem relutância alguma”.
Ao Maior Vendedor de Sapatos do Mundo comprou uns sapatos e na sua diáspora “ aprendeu a soletrar liberdade no dialecto do vento” .
Deixou um texto premonitório em que nos fala de Xântila, onde o ódio e a crueldade fazem pactos silenciosos. Encontrado o último guarda da última fronteira viu onde acaba o mar e a terra, onde estava o sol e os seus companheiros e onde estava a mais tremenda e desolada das regiões. Soube que para as bandas do Sol só se passava com visto e um estágio na Praia de Pensar Nisso e que em Xântila falta a luz do coração e do pensamento . E que há pessoas que não resistem ao apelo da sombra, e o guarda aconselhou a voltar-se para o outro lado, para as estrelas que brilhavam com esplendor. É a Praia de Pensar Nisso como que um filtro onde cada um se transforma em estrela sem dar por isso. Apenas se exige a guia de acesso e “ muito ar lavado na caixa torácica”. Depois pode-se até “ fazer uma muralha com pessoas amadas” e com os sonhos dos seres humanos mortos pela liberdade dos outros assumindo junto dos deuses que AS ESTRELAS SOMOS NÓS”
E na direcção de um dedo esticado, atraída pelo rapaz, viu Molero, certa vez, brilhar a estrela do meio-dia, sentindo-a como o mais alto e luminoso Sol da sua existência.
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