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Último capítulo de Presença de Anita
(Mário Donato.)

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Último capítulo da Obra de Mauro Donato Presença de Anita
...Deu meia dúzia de passos e, já na esquina do Vento, resoluto, ergueu os olhos para janela do sótão. Nessa hora a janela iluminou-se e,sem que os vidros se descerrassem, o rosto de Anita assomou sobre a jardineira onde floriam gerânios. As flores foram violentamente afastadas, e toda ela, de súbito, ganhando presença, desceu sobre ele, as mãos crispadas:
_ Tu me traíste! Tu me traíste!
_ Anita!
O fantasma, ereto diante dele, já maior que ele, crescendo, desesperado, os olhos cheios de pranto, dos longos cabelos desnastrados, pregueando-se de alto a baixo o amplo manto que a envolvia, esbofeteou-o duramente na face direita, depois na esquerda, soluçante, espancando-o sempre, agora também no peito, que soava cavo e lhe fugia. E chorava, chorava, tudo em torno contagiado pela sua desesperação vibrando como uma larga lâmina de vidro que se estilhaça:
_ Tu me traíste como sempre! Tu me traíste!
Atordoado pelas pancadas, transido (“Diana! Diana!”), Eduardo recuou para fugir, mas na precipitação escorregou, perdeu o equilíbrio e caiu, a cabeça resvalando-lhe pela parede. Anita amparou-lhe a cabeça, para que não batesse no chão, e ajoelhada ao seu lado parecia querer, não bater- lhe, mas beijá-lo. Logo, porém, como ele se repunha e apanhava o chapéu (“Diana” Diana”!), esbofeteou-o novamente no rosto em brasa. Soluçava histericamente, sufocando-se como se sofresse mais que o amado, mas quisesse ainda assim arrancar-lhe a promessa por que ansiava:
_ Vem, amor, vem! Tu me traíste, mas eu te perdôo! Vem, amor!
Eduardo, quase de rastos, os braços à altura do rosto aparando os golpes, ergueu e pôs-se a correr (“Diana! Diana”!). Dobrou a esquina deserta e pensou ter-lhe escapado. Anita, entretanto, não o abandonara. Agora o obrigava a parar, em pé diante dele, os traços todos demudados pela violência dos sentimentos que agitavam:
_ Perdoa-me, perdoa-me! Oh, como eu te amo!
Ela estava entre seus braços e, querendo beijá-lo, passava através dele e o repelia com a sua febre, que era gelo. Ele sacudia cabeça, que não, que não, e ela se debruçava sobre aquele homem que lhe fugia, hesitava um instante com as mãos enclavinhadas, e depois, cedendo ao desespero, esbofeteava-o, esbofeteava-o uma, duas, três vezes, e chorava, chorava. E como o homem não cedia – que não, que não – tentava aquecê-lo com seus beijos, como em vida fizera, mas os seus beijos eram gelados e gelavam, eram gelados e doíam.
Aí, a grande força oculta no bojo de que ela era porta, começou a sugar-lhe e implacavelmente as formas por um momento humanizadas. Ela se voltava para o fundo do mistério e implorava com gestos que não a arrebatassem, mas inutilmente. Aquele homem era seu e ainda partiria com ela! Que esperassem... Inutilmente, inutilmente. E já aquele torvo e esfumaçamento impiedoso lhe diluía as pernas modeladas pelo vento sob o manto, e logo o busto de seios ausentes, borrando-o e deixando ver através dele, ainda desfocadas, as folhagens das árvores e as luzinhas do parque, quando ela lhe pediu, num último e aflito apelo:
_ Vem para mim, amor!
Eduardo sentiu que Anita lhe era retirada para sempre. Nunca mais, depois daquilo, ela voltaria a cruzar o seu caminho. Com as suas próprias mãos indignadas tinha fechado a barreira pela qual se atirava nas noites de sua angústia, para atormentá-lo. Permanecera insepulta no tempo pela força do amor, mas o ódio a que não resistira, afinal a destruía. Crispou os lábios ferozmente, o pensamento no trem que urgia apanhar, a Vitoriosa agora descruzando os braços sobre os seios para recebê-lo, e num repelão de raiva, que sacudiu o espectro para trás, gritou-lhe:
_ Não!
Os olhos de Anita, na face que esmaecia, toldaram-se já não de lágrimas, que as suas órbitas tinham sido misericordiosamente esvaziadas de tudo o que é humano, mas apenas nuvens que passavam correndo num temor de tormenta vizinha, e somente as suas mãos, contorcidas na aflição daquela dor sem remédio nem Deus, bateram desamparadas no ar, num derradeiro arranco, e se sumiram dentro do nada.



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