Alice no País das Maravilhas
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O romance escrito pelo inglês Lewis Carroll, no final do século 19, é reinterpretado e atualizado pelo diretor Tim Burton, que já assinou outro filme de autor, como “A noiva cadáver”. Em “Alice no País das Maravilhas”, levado aos telões neste ano de 2010, a protagonista tem 17 anos, sete a mais do que na história original.
A inventividade trazida pela nova obra cinematográfica leva a várias leituras. Escolhi duas. Também bastante criativas e subjetivas, como sugere o próprio roteiro. No início da história, o autor-diretor nos mostra a insatisfação de Alice por ter sido prometida em casamento a um homem a quem tem apenas um sentimento: asco. Ao ser pedida em matrimônio, sua reação é de fuga. No filme aparece uma fuga concreta. Porém, o episódio pode ser interpretado como fuga da realidade ante um rito de passagem para o qual ela não está preparada psiquicamente.
Alice sai da cena real quando decide perseguir o Coelho Branco de colete, veloz como sua curiosidade e que só ela mesma vê. Tropeça e cai num buraco sem fim. Como em um surto delirante, entra em contato com o inconsciente e suas revelações fantásticas e às vezes intoleráveis. Assim, vai se (re)conhecendo por meio das personagens, como o Chapeleiro Maluco (criatividade, sensibilidade, meiguice, romantismo), os gêmeos indecisos (dúvida), a traça oracular falante e fumadora de cachimbo - rastejante e presa como os desejos, antes de liberarem-se na forma de borboletas -, a ambivalência na pele do cão bom e o mau, da rainhas boa e a má, ambos exemplos da relativização moral (apesar do aparente maniqueísmo apresentado pelo enredo, numa primeira leitura), entre outras figuras, todas elas faces inconscientes de Alice.
No transe fantasioso, Alice se descobre, vive e tenta elaborar as situações que se apresentam, crescendo e se responsabilizando por suas decisões. “Por que você tem que ser tão pequena ou tão grande?”, questiona o Chapeleiro Maluco, em algum momento. A partir daí, Alice retoma estaturas física e psíquica próprias, nem grande nem pequena, nem oito nem oitenta. Deixa de responder às demandas idealizadas pelos outros sobre si e, assim, faz a transição para a fase adulta, por meio da responsabilização por suas escolhas.
A outra leitura possível, entre uma infinidade de outras tantas, é ideológica: a polaridade dos impérios econômicos e a troca de poder na cena globalizada. Na fantasia de Alice, seu retorno ao País das Maravilhas tem como missão preservar os domínios da Rainha Branca (RB) e resgatar outro reino, o já roubado anteriormente pela sua irmã mais velha, a Rainha Vermelha (RV).
RB passa a imagem de uma mulher doce, cálida, incapaz de fazer mal aos outros. Mas capaz de usar toda sua “insídia branca” disfarçada de brandura para colocar os outros a seu serviço, mesmo que este implique em risco de morte para aniquilar o grande dragão comandado pela RV. Os grandes olhos e olheiras de RB denunciam a sua inveja. Se assim não fosse, ficaria feliz em preservar o próprio reino, sem mais cobiçar o reino da irmã.
Já a Rainha Vermelha é abertamente autoritária e submete a todos por meio do terror e um sistema ditatorial, embora decore o seu reino com corações vermelhos por todos os lados - a paixão é representada aí como egoísmo, narcisismo, egocentrismo. RV, ao contrário da irmã branca longilínea e de formas harmônicas, tem baixa estatura e silhueta desarmoniosa finalizada pela cabeça desproporcional ao corpo e ornada com grandes olhos.
A luta entre as duas parece uma guerra silenciosa no mundo real entre os impérios ocidental (EUA/Iglaterra), mais novo e “branco”, e oriental (China), mais velho e “vermelho”, respectivamente representados por RB e RV. Alice acaba matando o dragão (forte símbolo chinês) e, com sua carta de alforria do País das Maravilhas retorna à cena real onde seu ex-futuro esposo a espera. Ela diz não ao rapaz, mas se interessa em trabalhar com o sogro, um comerciante assíduo das rotas internacionais. Alice é aceita e, para começar, aponta no mapa o mais novo objeto de seu desejo: a China. A propósito: "Qual a semelhança entre uma escrivaninha e um corvo?".
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