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Noel Rosa - Poeta da Vila, Cronista do Brasil
(Luiz Ricardo Leitão)

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Em 1910, duas semanas antes do natal — que inspira o seu nome — nascia Noel Rosa, o poeta de Vila Isabel. A passagem do cometa Hailey, naquele mesmo ano, paira como um presságio da sua efêmera existência, finda precocemente aos 26 anos. Deixando como legado uma obra de quase 300 músicas, algumas verdadeiros clássicos do cancioneiro popular brasileiro.

Veio à luz num parto difícil, tendo que ser extraído à fórceps, o que lhe deixou graves sequelas na face. Mas segundo o autor, Luiz R. Leitão, levou uma vida ativa, tendo a pipa, balões, o pião e os malabarismos no estribo dos bondes que cortavam o bairro como folguedos típicos de guri de classe média baixa que era, inteligente, extrovertido e bem humorado. Atributos bem expressos em sambas antológicos como Gago Apaixonado, Conversa de Botequim, e o pouco conhecido Coração. No qual, já como acadêmico de Medicina, satiriza a anatomia do órgão vital e o chauvinismo do sujeito com mania de grandeza, que almeja encher as próprias veias com azul de metileno pra ficar com sangue azul.

Pai ausente, entre idas e vindas de uma vida profissional instável e negócios incertos, se desenvolve graças ao zelo e cuidados da mãe. Relata em entrevista que Com Que Roupa, seu primeiro e estrondoso sucesso, em 1930, teria sido inspirado num episódio em que ela esconde suas roupas para evitar suas incursões pela boemia. Tal declaração, no entanto, seria um artifício do compositor para driblar a vigilância censória do governo Vargas: o conteúdo da letra faria referência, na verdade, às condições socioeconômicas, a ambivalência do regime e as repercussões no país do crash da Bolsa de Nova Iorque, em 29. Professora primária, alfabetiza Noel e o inicia nos primeiros acordes. Este, no bandolim e depois no violão, acompanha os familiares e convidados nos saraus domésticos, revelando o seu talento precoce.

Com o ingresso no tradicional Colégio São Bento, em plena Praça Mauá, no centro da cidade, dá os primeiros passos no seu "périplo lírico-existencial" pelo universo de tipos populares, artistas, boêmios, seresteiros e sambistas do morro, que convergiam para a Praça Onze, Lapa e Estácio. A musical Vila Isabel, também de Chico Alves, Almirante, Braguinha, e tantos outros (como o próprio autor desta biografia), com a diversidade e riqueza da sua geografia humana, cultural e arquitetônica, seria o epicentro desse intinerário que constituiu a sua personalidade e conformou a sua obra. Cantou as agruras de suas aventuras amorosas — como em Pra Que Mentir, Três Apitos, e Último Desejo —, e os tipos e costumes do cotidiano do subúrbio carioca. Mas mesmo através destes temas fez, acima de tudo, denúncia social, num registro coloquial e linguagem popular, traduzindo na canção o programa do movimento modernista de 22, numa postura de vanguarda. Já com 20 canções gravadas, em 1931, ingressa na Faculdade de Medicina, que abandona logo depois. Foi partícipe da então emergente Era do Rádio, cantando, escrevendo paródias, operetas radiofônicas. E músicas para a trilha sonora de filmes, no também nascente cinema sonoro.

Dado o seu caráter de ensaio biográfico, a vida pessoal do artista entra no texto como um elemento para a contextualização do que a sua obra representa historicamente, a partir daquele momento de transição de economia agroexportadora para uma industrialização e urbanização incipientes, produto da modernidade periférica. Numa sociedade elitista e preconceituosa, de 60% de analfabetos (em 1930, quando a Argentina contava 7%), recém saída de três séculos e meio de escravismo, dominada por uma aliança entre as oligarquias latifundiárias regionais — que chama de "país de tanga", de forma irônica mas pertinente —, o poeta da Vila acolhe generosamente o samba do morro, marginalizado e criminalizado, e faz a sua síntese com a cultura letrada da cidade, um processo análogo ao surgimento da Bossa Nova. Dessa combinação resulta o DNA da moderna Música Popular Brasileira, essencialmente urbana — fazendo jus ao apelido de 'filósofo do samba' que lhe fora atribuído, também por composições como Filosofia e Positivismo.

O autor inscreve o poeta na linhagem de Gregório de Mattos, Lima Barreto e Chico Buarque de Hollanda, os cronistas do Brasil que, com seu espírito crítico e satírico, poesia e prosa de uma simplicidade refinada, e ética subversiva, deram voz ao povo, denunciaram suas mazelas e as contradições sociais desse Estados Unidos da Bruzundanga. Nome que Lima dá ao país num romance em que faz a metáfora da realidade brasileira, intitulado Os Bruzundangas, numa alegoria da sua condição de miséria e opulência, ao mesmo tempo. O próprio Chico se reconhece como herdeiro do legado de Noel. O que fica patente em Meus Caros Amigos, na mesma linha do samba epistolar Cordiais Saudações, estilo peculiar de carta musicada.

Assim como Lima Barreto, Noel ficou no esquecimento mais de dez anos após a sua morte, causada pela tuberculose que o assolou nos últimos anos de vida. Tendo a sua música sido redescoberta e reconquistado a admiração do público no limiar dos anos 50, a partir da redemocratização com o fim do Estado Novo. Através da sua arte o poeta transcende a sua própria condição e dá um sentido a sua existência. Em 1937, o asteróide Hermes — o mitológico mensageiro dos deuses, deus da eloquência e inventor da lira — entrou na órbita da Terra e atravessou os céus do planeta, veloz e brilhante como uma estrela: se despedia da vida Noel de Medeiros Rosa — o poeta da Vila, filósofo do samba e cronista do Brasil.



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