A História da Literatura Como Provocação à Teoria Literária
(Hans Robert Jauss)
É quase um lugar-comum atestar a histórica carência de leitura dos brasileiros. Segundo pesquisa do Instituto Pró-Livro (2007) lê-se, em média, 4,7 livros per capita ano — ou 1,3 excluídos os didáticos e pedagógicos — e 45% da população não tem o hábito de ler. Dados que contribuem para colocar o Brasil em 88º lugar no IDE (Índice de Desenvolvimento Educacional), atrás de países pobres como Equador, Paraguai e Bolívia, no relatório do programa Educação Para Todos da UNESCO, de 2010. Compõem esse quadro o fosso das desigualdades sociais, a baixa escolaridade, o alto custo dos livros, o advento das mídias digitais, etc. E um dado que seria assustador, se não fosse também facilmente observável: mesmo entre os professores, 60% não cultiva o hábito sistemático da leitura (CNTE, 2001).
Como substrato dessas evidências, porém, há raízes mais profundas que merecem ser melhor investigadas. A crise das grandes narrativas, num plano mais geral; no interior desta, o colapso do ensino pela História da Literatura nas disciplinas que tratam da leitura, com o crescente questionamento dos seus princípios e métodos. Que teve como um dos seus marcos iniciais a palestra proferida como aula inaugural, em 1967, na Universidade de Konstanz, por Hans Robert Jauss: "O que é, e com que fim se estuda História da Literatura". Revista e ampliada, transcrita e publicada em livro com o título que encabeça este resumo, credencia o autor como um dos principais teóricos da estética da recepção.
Jauss parte de uma ruptura com a tradição histórica — dadas as condições de seu esgotamento, por ele explicitadas —, que circunscreve a literatura ao estudo do autor, da obra, de gênero e do estilo, para uma hierarquização, o estabelecimento dos cânones e uma descrição cronológica. Centralizando a atenção no leitor e sua experiência estética e com o foco na recepção, a audiência, fim último da literatura, de passiva que era, assume a condição de agente. O valor estético, antes intrínseco à obra — às condiçoes de sua produção e intenções do autor —, se transfere agora para a dinâmica das relações recíprocas entre autor, obra, comunicação, efeito e fruição. Que só se instaura no momento privilegiado da leitura, (re)criando significados e produzindo sentido.
Não há, no entanto, na teoria da recepção, uma negação da história. Pelo contrário: busca a superação do abismo crescente, cavado entre história e literatura por uma tradição mecanicista, linear e monológica; fechada em si mesma, prescinde da possibilidade de renovação que a experiência estética concreta, atualizada a cada momento histórico, numa relação dialógica, pode gerar. Pondo em movimento a dialética que faz a síntese entre história e estética. Síntese esta que só o leitor, por si mesmo, mergulhado na leitura e impregnado da própria história — tanto particular quanto geral — intenta realizar.
Coerente com seus pressupostos, o autor constrói um texto fluído e didático, apresentando sete teses, num encadeamento lógico: nas quatro primeiras dá os fundamentos da sua teoria; nas três últimas expõe sua metodologia, ilustrando com as condições da recepção de Madame Bovary e o processo que Flaubert sofre quando da sua publicação, em 1857. Capítulo cuja leitura é especialmente prazerosa e esclarecedora, sobretudo para quem conhece esse romance inaugural do realismo — sucesso de público que se inscreveu na história, após uma rejeição inicial. É também nesse momento que Jauss propõe a tarefa da história da literatura, amparado no conceito de horizonte de expectativas.
A estética da recepção se constitui potencialmente numa ferramenta capaz de aproximar o leitor do livro, para estudiosos, professores, enfim, para a 'sociedade de leitores'. Uma proposta a ser pensada seria a de subverter o ensino de História da Literatura com uma inversão cronológica: começando pelos autores contemporâneos, mais próximos da realidade imediata dos estudantes. A partir disso, ir retrocedendo numa espécie de prospecção, lenta e gradual, a períodos mais remotos, trabalhando autores que correspondam ao horizonte de expectativas — desenhado pela interação entre leitores e a Literatura, numa perspectiva histórica.
Algo próximo do que sugere Sérgio Luiz P. Bellei, autor do ensaio O Ensino da Literatura Estrangeira no Brasil: do Significado à Significação: "Um curso de Literatura Americana do séc. XIX poderia portanto produzir melhores resultados se começasse com Poe e Dickinson, e só depois passasse para Emerson ou Whitman, independente de cronologia". Na linha do pensamento de Jauss, seriam procedimentos inspirados na ideia de vivência estética da leitura, e do prazer que ela pode proporcionar. É mais provável que se venha a gostar daquilo que se entende, e compreender aquilo por que se tem apreço.
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