Auto da Barca do Inferno - Cena do Fidalgo
(Gil Vicente)
O Fidalgo é o primeiro de uma série de personagens-tipo que irão desfilar no cais onde se encontram os batéis que conduzirão as almas ora para o Inferno ora para o Paraíso. São personagens-tipo pois cada uma dela representará um grupo social ou profissional e será a síntese dos vícios e pecados do grupo a que pertence. O Fidalgo aparece acompanhado de um pagem, uma cadeira e um "rabo mui comprido", ou seja, um longo manto. Estes adereços permitem-nos identificar de imediato o seu estatuto social, pois era normal que os fidalgos se deslocassem sempre com os seus criados e que envergassem roupas distintas das do povo ou do clero. A cadeira serviria para que tivesse sempre onde se sentar na igreja, sendo também um símbolo do seu grupo social. O Fidalgo interpela primeiro o Diabo e pergunta-lhe para onde vai a sua barca, adoptando uma atitude de troça em relação ao Diabo e à sua barca. Apresenta-se confiante de que o Inferno não seria o seu destino pois tinha deixado na outra vida quem rezasse por ele. O Diabo responde-lhe lembrando-lhe que o importante tinha sido a sua conduta em vida e que ele deveria ir para o Inferno tal como o seu pai. O Fidalgo não podendo acreditar que, apesar da sua condição social, deveria ir para o Inferno, decide dirigir-se à Barca da Glória e interpela o Anjo lembrando-lhe de que é um "fidalgo de solar" merecendo, por isso, o seu lugar no Paraíso. O Anjo responde-lhe que os tiranos e os vaidosos não têm lugar na sua Barca e acusa-o de ter desprezado os mais pobres. O Fidalgo compreende então que não tem outra hipótese senão voltar para a Barca do Inferno e, desanimado, lamenta-se da sua situação. Tenta ainda pedir ao Diabo que o deixe voltar à outra vida para ver a sua namorada que ele acredita que se queria matar por ele, mas o Diabo desengana-o e revela-lhe que a namorada o enganava e traía, tendo chorado de alegria pela sua morte. O Fidalgo entra, por fim, na Barca do Inferno, revoltado e desalentado. O Diabo não permite a entrada do pagem nem da cadeira, pois não deseja na sua Barca nada que já tivesse estado na igreja. A cena termina com o canto feliz do Diabo que espera por mais almas condenadas.
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