Adolescência Hoje
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O psicanalista fluminense Joel Birman em seu colóquio “Adolescência Hoje” lança hipóteses sobre as relações dos jovens com a sociedade. Começa pelas mudanças na família, descrevendo os tipos “extensa”, “nuclear burguesa” e “zumbi”.
A família extensa, formada por pais, filhos solteiros e casados, netos, avós vivendo sob o mesmo teto, sem divisórias, vigorou de meados até o final do século 18; a nuclear burguesa, constituída por pai, mãe e filhos, teve na mulher a “rainha do lar”, que tudo organizava e mantinha a unidade familiar, permaneceu até os anos de 1960; e a família zumbi, formada por ex-maridos e ex-esposas e seus filhos, ou por mãe e filho(s), a monoparental, sob o mesmo teto, é a que se firmou e vem prevalecendo de 50 anos para cá.
A saída de cena da “rainha do lar”, que além de mãe e dona de casa, resolveu ser mulher (erotizada e ativa no mercado de trabalho), não trouxe a reboque a divisão do trabalho com os homens, em especial em casa, na atenção aos filhos, na manutenção da ordem e na imposição da lei, que depois se aplicaria no convívio em sociedade.
O resultado da família zumbi é a criação de filhos semiabandonados, que necessitam da “boa narcisação”, ou seja, que os adultos responsáveis as escutem e as olhem, atendendo a demandas e desejos subjetivos, para além das necessidades primárias – materiais: alimentação, vestuário, lazer e escola.
“Sobrou para as crianças e os adolescentes, que são o alvo da reestruturação. O investimento neles tornou-se problemático. Redes de instituições de cuidados desde a primeira infância, como creches, escolas maternais precoces etc. tentam fazer este papel, mas não conseguem. Houve mudanças no desenvolvimento narcísico: menos afeto e proximidade dos pais ou objetos primários, enquanto as formações primária (da família) e secundária (na escola, que se dava muito mais tardiamente) agora são institucionalizadas. O problema é que a escola não está preparada para a formação primária nem para a secundária. A instituição educativa não consegue, não pode e não está organizada para fazer a socialização primária: o filho é do outro; e, assim, não consegue fazer a socialização secundária”, diz Joel Birman.
O desamparo, a desolação e a desesperança destas crianças de famílias zumbis - em que a autoridade se perdeu e com ela a possibilidade de identificação - se revelam posteriormente na adolescência, pelo crescimento do foco na força física, das adicções a álcool e drogas, e dos transtornos, como bulimia e anorexia (depressão devida ao desinvestimento narcísico: vazio existencial).
Tais características se enquadram na estrutura psíquica “borderline”, conceito utilizado por algumas correntes psicanalíticas para designar a situação limite (entre neurose e psicose) de um sujeito que, por desinvestimento narcísico, vive como se numa corda bamba, prestes a cair num abismo de autodestruição.
O borderline, descrito na clínica também como em "situação limite", leva a pensar em um sujeito que necessita de bordas, margens, limites e, em última análise, de contorno psíquico - este que vem sendo representado com frequência nos corpos concretos, por meio de tatuagens e piercings.
"É preciso um novo contrato social. A série de problemas que as crianças enfrentam na adolescência provém das socializações primária e secundária. A clínica fará o acolhimento que os pais e a escola não conseguiram fazer. O investimento foi transferido para o campo terapêutico, para a psicanálise. Se a terapia não funciona, o problema explode no Judiciário. Os pais perguntam ao terapeuta o que é educar, dar limites. Se não há respostas, o problema vai explodir no Judiciário. Família-escola-terapeuta-juiz, que é quando o barco afunda de vez."
O barco afunda quando as palavras e o simbólico já não dão mais conta da realidade e explode a violência, uso da força corporal, última fronteira dos que não contam com uma boa mediação psíquica. Violência e agressividade contra os próprios pais e todo tipo de autoridade, pelo assassinato de mendigos nas ruas das grandes cidades, pelo bulling, pela agressão contra as diferenças (homossexualismo e outras escolhas relacionadas a gênero) etc.
Por fim, Joel Birman alerta para a mudança do conceito freudiano de “Sua majestada, o bebê”, que centrou a família nuclear burguesa como base para o futuro de um sistema político-econômico desenvolvimentista, para o hamletiano “Ser ou não ser”. O que está em xeque, portanto, é a urgência de ao menos poder “ser” no mundo, questão muito mais de fundo e satisfação existencial do que de resposta ao futuro político-econômico e social.
Eu diria ainda que a norma (o Nome do Pai, as leis fundantes e que asseguram o convívio grupal minimamente saudável) garante o futuro da sociedade e, portanto de seus membros, contra o presente da saciedade.
* Os trechos entre aspas deste texto são a reprodução de pequenas partes da exposição de Joel Birman, em colóquio realizado na cidade de São Paulo, em outubro de 2010. A partir de tais idéias surgiram estes comentários da autora.
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