O Vagabundo e o Ditador
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Documentário narrado pelo ator/cineasta Kenneth Brannagh, abordando o paralelismo entre as carreiras do cineasta Charles Chaplin e do ditador Adolf Hitler, destacando o filme O Grande Ditador, em que o primeiro satiriza o segundo. A partir do nascimento de cada um (na mesma semana, do mesmo mês, do mesmo ano de 1889), o filme segue uma linha de tempo pontuada por comentários de historiadores, roteiristas, do filho de Chaplin, Sydney, e até de um ex-membro do Partido Nacional-Socialista, contemporâneo de Hitler. Como curiosidade, são reveladas também cenas inéditas, descobertas no porão da casa do irmão de Chaplin, contendo imagens em cores das filmagens de O Grande Ditador, com trechos de bastidores e do final inicialmente planejado, com os soldados abandonando suas armas e dando início a um grandioso número musical.
Interessante do início até os créditos finais, O Vagabundo e o Ditador (The Tramp and the Dictator, Inglaterra/2002) é um exercício fascinante de contextualização histórica. Pequenos deslizes (como a batida idéia de imaginar a história se Hitler tivesse sido aceito pela Escola de Artes em Viena) sequer arranham o valor do filme, que ultrapassa a instância da curiosidade para levar à reflexão. Mais do que o relato de duas trajetórias adversas porém semelhantes (tanto Chaplin quanto Hitler tiveram infâncias pobres e saíram de seus países de origem para serem artistas; Hitler por muito tempo vagabundeou pelas ruas como o personagem mais famoso de Chaplin, entrando no exército para fugir da miséria), o filme também mostra o fascínio que o nazismo exercia sobre as populações não apenas alemãs, mas também nos EUA. Para realizar O Grande Ditador, foi preciso que Chaplin enfrentasse a má vontade dos produtores de Hollywood, então simpáticos à ascensão de Hitler (muitos deles cortavam trechos de seus filmes que pudessem desagradar os alemães), e, bancando todas as despesas e filmando em segredo, concluísse, após 559 dias filmando e refilmando cenas, sua obra de maior impacto. Para isso foi fundamental o apoio do então presidente americano, Franklin Roosevelt, que considerava o filme necessário, opinião partilhada pela multidão que lotou os cinemas e ovacionou seu diretor.
Hitler, enquanto isso, ia espalhando o nazismo pela Europa, mas sempre que possível assistindo os filmes americanos de que era fã, particularmente os da atriz Greta Garbo. Na Alemanha Chaplin era conhecido como "o judeu", e assim foi recebido pela imprensa nazista quando de sua visita a Berlin, antes do estouro da Segunda Guerra. Foi com o avanço das tropas nazistas pelo território europeu e, principalmente, com a tomada da França, que a população americana percebeu o que havia pela frente. Chaplin chegou mesmo a considerar a hipótese de não realizar O Grande Ditador, achando que a Guerra e Hitler eram assuntos sérios demais para fazer graça, e por causa disso resolveu colocar o discurso pacifista no final do filme, em que as palavras saíssem não da boca do ditador ou do barbeiro que ocupa seu lugar, mas do próprio Charles Chaplin. Depois o diretor iria confessar que, se soubesse das atrocidades cometidas por Hitler, jamais teria realizado O Grande Ditador, que, exibido de surpresa numa apresentação para uma tropa alemã, gerou tumulto e fez com que soldados disparassem suas armas contra a tela.
No filme, a interessante figura de Hitler acaba sendo mais dissecada do que a de Chaplin. Carismático e obcecado, Hitler chegou a ter aulas de atuação para obter o melhor resultado dramático possível em seus famosos discursos, e a grandiosidade de suas paradas militares (filmadas pela cineasta Leni Riefenstahl, não citada no filme) ultrapassavam de longe os épicos hollywoodianos de então. Foi através do estudo de fotos dos palácios nazistas que Chaplin encontrou um elemento que lhe chamou atenção, e lhe inspirou uma das antológicas sequências de seu filme: um grande e majestoso globo sobre uma mesa. A cena, cuja autoria muita gente tomou para si, saiu mesmo da cabeça de Chaplin, como mostram as antigas imagens em que o diretor, muitos anos antes, apresentava-se para amigos dançando com um globo de maneira bem semelhante àquela que depois seria imortalizada (no Brasil, viraria até abertura de telenovela). Curiosamente, um dos poucos objetos não destruídos encontrados no palácio de Hitler, quando o exército soviético enfim chegou à Alemanha, foi o tal globo.
Prato cheio para visões simplistas, O Vagabundo e o Ditador pode facilmente ser comparado a um O Médico e o Monstro, ou servir de base para alguma tese sobre a influência do meio sobre a vida de dois cidadãos que, partindo do mesmo princípio, teriam finais completamente diferentes. Poderia ser muita coisa, até uma fantasia esquizofrênica sobre a mentalidade perturbada dos artistas rejeitados (o que explicaria o espaço dado a tanta porcaria nos dias de hoje - nunca se sabe). Tanto faz. Só o fato de possibilitar tantas leituras já garante ao filme mais do que uma recomendação, mas um lugar de destaque (seja lá o que isso signifique) no coração de quem gosta de cinema.
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