A Erva do Rato
(Sergio Alpendre)
Julio Bressane deixou claro, em um filme marcante como Os Sermões, que é dos raros cineastas que sabem dar um valor imenso à palavra. Ainda que seja pela ausência, como em A Erva do Rato, seu último trabalho, exibido no Festival do Rio de 2008. A falta de palavras, em determinado momento equivale aos textos pesados que ele costuma valorizar com imagens densas.
Se em Cleópatra, filme anterior do diretor, encontramos uma transposição de imagens para um cinemascope deslumbrante e de colorido berrante em A Erva do Rato, o rigor é quase paralisante, no limite do retrocesso, o que só aumenta a sensação de estranhamento que temos diante de suas imagens.
Baseado em dois contos do genial Machado de Assis, A Erva do Rato nos mostra uma das melhores interpretações da carreira de Selton Mello, pau a pau com a de Garotas do ABC, obra de Carlos Reichenbach em que interpreta um fascista asqueroso. Há, também, a atuação hipnótica de Alessandra Negrini, bem distante de sua criação multifacetada de Cleópatra. Temos, assim, dois atores globais completamente deslocados do que costumam fazer na televisão, o que já garante algumas interrogações iniciais no público que não acompanha a carreira do diretor.
O que se passa no decorrer dos planos estáticos, com a fotografia do Walter Carvalho ameaçando transbordar o tempo todo, é simples: homem conhece mulher no cemitério, e desenvolve com ela uma relação curiosa. A curiosidade não é só do ponto de vista do espectador em direção ao filme, mas dele em direção a ela, aos mistérios do corpo feminino, à revelação do órgão sexual por uma câmera fotográfica. O estranhamento de quem está diante da tela encontra um eco no estranhamento do personagem de Mello diante do corpo imóvel e desnudo, que parece esconder um mundo para o qual ele não tem acesso que não seja pela mediação de uma lente.
Nos minutos finais, a bizarrice domina (mais do que isso não posso dizer), e o filme cresce com isso. O último plano, de uma complexidade formal absurda para dar conta de uma ação simples, que pode ser percebida pelo barulho da máquina fotográfica, revela que Bressane ficou deslumbrado com a técnica de Walter Carvalho. O filme tem muitos méritos, um deles certamente é o desconforto que provoca no espectador, que se sente impelido a uma revisão, desde que a preguiça ou a intolerância com o diferente não o tenha levado à desistência num primeiro momento.
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