1808 - Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte...
(Laurentino Gomes)
Na manhã de 29 de novembro de 1807, circulou em Portugal a informação de que toda a Corte estavam fugindo para o Brasil. Nunca algo semelhante tinha acontecido na história. Em Portugal ainda vigorava o regime de monarquia absoluta. Com a fuga do rei, Portugal passava a ser um território vazio e sem identidade.
A fuga para o Brasil foi resultado da pressão exercida sobre ele por Napoleão Bonaparte. O imperador francês era o senhor absoluto da Europa. Só não haviam conseguido subjugar a Inglaterra. Napoleão decretou então o bloqueio continental, que previa fechamento dos portos europeus ao comércio de produtos britânicos. Suas ordens foram imediatamente obedecidas por todos os países, exceto Portugal.
Pressionado pela Inglaterra, sua tradicional aliada, D. João ainda relutava em ceder às exigências de Napoleão. Por essa razão, em novembro de 1807 tropas francesas marchavam em direção a Portugal.
Assim, D. João tinha que escolher entre aderir ao bloqueio continental ou aceitar a oferta dos ingleses e embarcar para o Brasil.
Entre 10 e 15 mil pessoas acompanharam a viagem. O grupo incluía pessoas da nobreza, conselheiros reais e militares, juízes, advogados, comerciantes, médicos, padres, damas de companhia, camareiros, pajens, cozinheiros e cavalariços.
Portugal viveria os piores anos de sua história. Nos sete anos seguintes, mais de meio milhão de portugueses fugiram do país, morreram de fome ou nos campos de batalha numa sequencia de confrontos que ficou conhecida como a Guerra Peninsular.
Os navios portugueses eram cápsulas de madeira lacradas. Não havia água corrente nem banheiros. A dieta era composta de biscoitos, lentilha, azeite, repolho azedo e carne salgada de porco ou bacalhau. Ratos, baratas e carunchos infestavam os depósitos. A água apodrecia, contaminada por bactérias e fungos. Por falta de frutas e alimentos frescos, as pessoas ficavam doentes. A esquadra portuguesa levou quase dois meses para atravessar o Atlântico.
No dia 22 de janeiro de 1808, os navios chegaram em Salvador. Em 28 de janeiro, D. João assinou seu mais famoso ato em território brasileiro: a carta régia de abertura dos portos ao comércio de todas as nações amigas.
Ainda em Salvador, D. João aprovou a criação da primeira escola de Medicina do Brasil e os estatutos da primeira companhia de seguros. Além disso, deu licença para a construção de uma fábrica de vidro e outra de pólvora, autorizou a cultura e moagem do trigo, mandou abrir estradas e encomendou um plano de defesa e fortificação da Bahia.
A esquadra entrou na Baia da Guanabara em 7 de março de 1808. Centenas de nobres contemplavam o espetáculo: uma cidadezinha de casas brancas, alinhadas rente à praia, às margens de uma baía de águas calmas, emoldurada por altíssimas montanhas de granito cobertas pela floresta de tonalidade verde-escura, como nunca se tinha visto em Portugal.
Na época, o Rio de Janeiro era uma espécie de esquina do mundo, na qual paravam praticamente todos os navios que partiam da Europa e dos Estados Unidos. As águas calmas da Baía de Guanabara serviam como abrigo para reparo das embarcações e reabastecimento. Era uma escala fundamental nas longas e demoradas navegações ao redor do mundo.
Havia muito por fazer no Brasil. Entre outras carências, a colônia precisava de estradas, escolas, tribunais, fábricas, bancos, comércio, imprensa, hospitais, etc. E necessitava de um governo organizado que se responsabilizasse por tudo isso. D. João não perdeu tempo. No dia 10 de março de 1808, organizou seu novo gabinete.
A abertura de novas estradas ajudou a romper o isolamento que até então vigorava entre as províncias. As regiões mais distantes foram exploradas e mapeadas. Outra novidade foi a introdução do ensino leigo e superior. Antes da chegada da corte, toda a educação no Brasil colônia estava restrita ao ensino básico e confiada aos religiosos.
As transformações teriam seu ponto culminante em 16 de dezembro de 1815. Nesse dia, D. João elevou o Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves, e promoveu o Rio de Janeiro à sede oficial da coroa.
Na noite de 24 de abril de 1821, um cortejo fúnebre atravessou em silêncio as ruas do Rio de Janeiro. Transportava os restos mortais da Rainha D. Maria I, falecida em 1816.
Dois dias mais tarde, o rei partia, contra a sua vontade. Deixava para trás um país completamente mudado, que o acolhera com tanta alegria treze anos antes e no qual o processo de independência era já previsível e inevitável.
Poucas horas antes da cerimônia fúnebre do dia 24, D. João chamou o filho mais velho e herdeiro da coroa, para uma última recomendação: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, que para algum desses aventureiros”.
D. João partiu do Rio de Janeiro no dia 26 de abril de 1821. Chegou a Lisboa no dia 3 de julho, depois de 68 dias de viagem, tão vulnerável quanto havia partido. Quando saíra, em 1807, era refém da Inglaterra e fugitivo de Napoleão. Agora tornava-se novamente refém, desta vez das cortes portuguesas.
Nenhum outro período da história brasileira testemunhou mudanças tão profundas, decisivas e aceleradas quanto os treze anos em que a corte portuguesa morou no Rio de Janeiro. Num espaço de apenas uma década e meia, o Brasil deixou de ser uma colônia fechada e atrasada para se tornar um país independente.
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