De acordo com as apreciações e observações descritas por Amarílis Tupiassu no texto introdutório do livro “Contos de Inglês de Sousa”, verificou-se que o conto A Feiticeira, apresenta em sua composição, elementos que indicam divergência entre racionalidade e irracionalidade, sendo a racionalidade representada pela presença da descrença no místico e lendário, e a irracionalidade, por sua vez, representada por uma possível certeza nas crenças populares dos habitantes daquele povoado.O ceticismo e a descrença é verificado da parte do tenente Sousa, pois o narrador dos fatos – o velho Estevão, admirado com o comportamento do tenente, se posiciona a respeito do moço, dizendo:
“ […] custa a ouvir com paciência os sarcasmos com que os moços tentam ridicularizar as mais respeitáveis tradições, levados por uma vaidade tola, pelo desejo de parecerem espíritos fortes [...]”
“ Mas o tenente Sousa pensava de modo contrário! Apontava à lua com o dedo, deixava-se ficar deitado quando passava um enterro, não se benzia ouvindo o canto da mortalha, dormia sem camisa, ria-se do trovão! Alardeava o desejo ardente de encontrar um curupira, um lobisomem ou uma feiticeira. Ficava impassível vendo caír uma estrela e achava graça ao canto agoureiro do acauã, que tantas desgraças ocasiona. Enfim, ao encontrar um agouro, sorria e passava tranquilamente [...]”
“ […] Seria um moço estimável a todos os respeitos, se não fora a desgraçada mania de duvidar de tudo [...]”
Percebe-se, também, um embate de cunho religioso na constituição do conto, pois a própria descrição feita dos aposentos e da aparência de Maria Mucoim, nos leva a presumir que tudo aquilo estava fora dos preceitos de carácter cristão, e por isso mesmo, sendo considerado diabólico e pertencente à magia e bruxaria, como pode ser observado nos excertos abaixo:
“ O tenente Sousa viu na Maria Mucoim uma velhinha magra, alquebrada,com os olhos pequenos de olhar sinistro […] a boca negra, que, quando se abria num sorriso horroroso [...]”
“ […] A feiticeira trazia ao pescoço um cordão sujo, de onde pendiam numerosos bentinho, falsos, já se vê, com que procurava enganar ao próximo, para ocultar a sua verdadeira natureza [...]”
“ […] Os lábios da velha arregaçaram-se, deixando ver o seu único dente. Ela lançou ao rapaz um olhar longo, longo que parecia querer transpassar-lhe o coração. Olhar diabólico, olhar terrível, de que Nossa senhora nos defenda, a mim e a todos os bons cristãos [...]”
“ Era um quarto singular o quarto de dormir de Maria Mucuim. Ao fundo, uma rede rota e suja; a um canto, um montão de ossos humanos; pousada nos punhos da rede, uma coruja, branca como algodão, parecia dormir; e ao pé dela, um gato preto descansava numa cama de palhas de milho […] e das traves do teto pendiam cumbucas rachadas, donde escorria um líquido vermelho parecendo sangue [...]”
Um outro momento da narração permite a inferência de que o personagem de Antônio de Sousa seja cristão, ou tenha tido uma criação voltada ao catolicismo, pois apesar de apresentar ceticismo e descrença, diante de uma situação de perigo iminente, realiza, inconscientemente, uma invocação religiosa:
“ - Jesus, Maria !”
Além dos aspectos apontados referentes ao racional e irracional e os de carácter religioso, existem, ainda, inegavelmente, na composição do conto A Feiticeira, a existência dos elementos marcantes de ocorrência do fantástico e maravilhoso, em que através da narração pormenorizada dos fatos oriundos do modo de vida amazônico e suas manifestações folclóricas, superstições e crendices populares, Inglês de Sousa acaba por desequilibrar as certezas das personagens, pois a verdade das situações registradas no conto, confunde, inquieta e desorienta, fazendo com que aos poucos, aquela “verdade inexplicável” passe a ser considerada algo natural e pertencente da “realidade vivida”.
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