Uma gramática escolar fincada no uso linguístico
(Maria Helena de Moura Neves)
Ao longo de vários estudo sobre a linguagem, diferentes teorias e perspectivas se sucederam, umas mais voltadas na língua como sistema em potencial, como conjunto de signos à disposição dos falantes,outras mais centradas para os usos efetivos que os interlocutores fazem da língua, nas diferentes situações sociais de interação verbal. Por conta dessas perspectivas que se fala, ou já se ouviu falar, poe exemplo, em “gramática estruturalista”, “gramática gerativa”, “gramática funcionalista”, “gramática tradicional”, entre outras. Maria Helena de Moura Neves, professora doutora atuante da área dos estudos linguísticos-descritivos e autora de diversas publicações científicas e livros sobre o ensino de português, entre eles “Que gramática estudar na escola?” , aborda, de maneira prática e pertinente, mais especificamente no capítulo de título “Uma gramática escolar fincada no uso linguístico” , questões relacionadas ao ensino de língua materna, na reflexão e aplicação dos fenômenos da língua, especialmente às atividades e práticas relacionadas à gramática da Língua Portuguesa.
O capítulo objeto dessa resenha, apresenta-se distribuído entre os tópicos: O conceito de gramática com atividade escolar; Reflexões sobre o funcionamento da linguagem; A resposta da gramática escolar tradicional à complexidade do funcionamento da linguagem; O modo de legitimação do tratamento escolar da gramática; Uma ilustração da exercitação gramatical corrente nas escolas e, por último, as conclusões a respeito da abordagem desenvolvida no capítulo.
No primeiro tópico, é realizado o levantamento de duas considerações acerca do ensino de gramática, que passam pelo entendimento do que venha a ser a gramática necessária a ser ministrada, e, o objetivo da abordagem gramatical a ser desempenhada, levando-se em conta a prática de atividades escolares envolvendo a análise linguística para o alcance de um funcionamento da linguagem de maneira significativa.
Em “Reflexões sobre o funcionamento da linguagem”, a autora contempla questões concernentes à natureza da linguagem e sua relação com a língua, no sentido de esclarecer para o fato de que o efetivo funcionamento da linguagem precisa ser considerado e entendido dentro de uma concepção de troca de interação verbal mais complexo e dinâmico, e não em um simples e mecânico esquema de codificação e decodificação constituído de elementos desvinculados e descontextualizados.
Já no terceiro tópico, trata-se da concepção e oferecimento da gramática pela escola aos alunos, em que se espera que esses alunos aprendam a falar e a escrever melhor apenas com o simples tratamento de parâmetros nomenclaturais com esquemas prontos e herméticos de classes e subclasses, ou elenco de funções dentro da estrutura da oração, sem a consideração das relações entre essas classes e suas respectivas funcionalidades dentro de uma situação de interação linguística, não colaborando, dessa maneira, para a finalidade pretendida de melhorar a fala e a escrita desses alunos, pois não é verificada nessa postura tradicionalista de ensino da gramática a preocupação e o compromisso no tratamento gramatical centrado no uso linguístico e na reflexão sobre o funcionamento da linguagem, e, por conseguinte, com o sucesso da interação, a pertinência da inserção do dicurso na interlocução, a qualidade do texto.
Em “O modo de legitimação do tratamento escolar da gramática”, é apontada a necessidade de se compreender e considerar o tratamento gramatical escolar a partir da complexidade do funcionamento da língua, na reflexão sobre os usos linguísticos, repelindo os moldes e esquemas “prontos” e acabados, pois é posto que a língua é um sistema naturalmente variável, em que para se produzir o discurso na interlocução, é preciso a busca pela heterogeneidade inerente e particular à linguagem.
No penúltimo tópico, verifica-se a demonstração do trato gramatical realizado nas escolas, no que diz respeito às funcionalidades de algumas classes de ítens e suas respectivas resoluções, tanto no nível da oração, em que a aplicação das classificações e nomenclaturas são satisfatóriamente realizáveis dentro do limite oracional, como no campo que é “desconhecido” e que excede os limites da estrutura e ordem oracional, em que para serem realizados e solucionados, precisam atender às instruções que buscam ír além dos rígidas fronteiras sintáticas impostas.
No sexto e último tópico, são postas em reflexão algumas lições relevantes e significativas referentes ao funcionamento da linguagem, que deveriam ser acolhidas e praticadas no ambiente escolar. Todas essas lições acabam convergindo para as já conhecidas posturas da gramática escolar tradicional: limitação do ensino da gramática à mera exposição e aplicação de metalinguagem nas classificações absolutas e de caráter autônomo, desconsiderando, por completo, o campo das relações existente entre as classes; desvinculação da disciplina gramatical escolar dos usos linguísticos e do funcionamento real da linguagem; entre outras.
Diante de todas as questões apontadas e consideradas no decorrer desse trabalho, foi possível perceber e reconhecer a importância da tentativa de transformação da visão distorcida do que seja a gramática da língua, através de propostas de acesso a uma compreensão verdadeira e relevante sobre os usos da linguagem, assim como a proposição de procedimentos para um ensino de uma gramática escolar que não apenas contemple a exploração pura de nomenclaturas e classificações, mas que, legitimada pela sua relação com o uso efetivo da língua, dê conta dos usos correntes atuais sem perder de vista, em nenhum momento, o intuito de se atingir a realização real do funcionamento da linguagem nas atividades praticadas nas escolas com a gramática, de acordo com as novas perspectivas e contribuições dos estudos linguísticos, com menos rigor normativo e prescritivo, voltadas para o uso da língua materna como instrumento formador da criticidade e reflexão dos reais usos da língua, tornando-se algo substancial e significativo para a vida dos falantes.
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