A Malvada
(Juliano Mion)
Embora o universo da trama seja o teatro da Broadway, A Malvada é um filme altamente metalinguístico, uma obra do cinema sobre o mundo do espetáculo. Propondo um olhar sarcástico sobre a sétima arte e a aura das estrelas, a ironia já está presente no primeiro plano da projeção: um enquadramento fechado, com a imagem de um troféu de premiação. Entra narração em off, contando quem é quem entre os figurões do showbizz, enquanto a câmera passeia pelo salão da premiação. Uma fina ironia, de muita audácia que percorre o filme do início ao fim, e que faz de A Malvada um memorável clássico do cinema.
Num dos grandes papéis de sua carreira, Bette Davis interpreta uma diva da Broadway, Margo Channing, em momento de transição na carreira, onde a idade de 40 anos já é um fardo que prejudica sua imagem e a escalação para papéis de destaque. Eis que conhece sua suposta maior fã, a jovem e pobre moça Eve Harrington (Anne Baxter), que contando uma sofrida história sobre sua vida, cai nas graças de Channing, tornando-se sua protegida. A partir daí, Eve, doentiamente sedenta por tomar o lugar de sua admirada diva, faz sua escalada rumo ao sucesso por meio de mentiras, jogadas sórdidas e muita dissimulação.
Escrito e dirigido por Joseph Mankiewicz, o filme é um deleite tanto como cinema, como pela teatralidade. Todos os diálogos são pérolas impagáveis, de tão bem construídos e bem articulados. O roteiro é engenhoso, começa no final da trama, e por meio de um flashback, proporciona uma dinâmica à saga de Eve que não se obteria com uma narrativa linear. O cinema de Mankiewicz é muito marcado pela teatralidade, sempre escalando grandes atores, em filmes ambientados predominantemente em ambientes internos e com o conflito baseado no diálogo.
Sendo um filme sobre os bastidores do mundo do entretenimento, é curioso notar como a história apresentada se confunde com a realidade. Bette Davis vivia na época uma situação semelhante com a de sua personagem, pois apesar de seu início bastante glorioso e premiado no cinema, vinha de diversas atuações inexpressivas em filmes fracos. Com este filme, sua carreira ganhou novo vigor, numa produção que conseguiu abocanhar 4 indicações ao Oscar só para o elenco de atrizes: além dela, Anne Baxter, Celeste Holm e Thelma Ritter foram indicadas. Em meio a tanto ego, as filmagens foram turbulentas, por causa de problemas de relacionamento entre todo o elenco (justamente como acontece entre as personagens do filme). Bette Davis possuía um talento nato para situações de atrito entre mulheres dentro e fora da tela: basta lembrar a lendária rixa que houve entre ela e Joan Crawford em O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962).
Outra curiosidade é que Bette Davis vive no filme um par romântico com o diretor de teatro Bill Sampson, interpretado por Gary Merril, com quem na vida real se casaria logo após o fim das filmagens. Há ainda um paralelo que se pode estabelecer entre a saga de Eve e a de uma jovem e pouco conhecida atriz que faria uma pequena ponta neste filme: Marilyn Monroe. Muitas das artimanhas usadas por Eve para chegar a fama, entre elas trocar de nome e seduzir homens importantes, fazem parte do imaginário mítico que envolve Marilyn.
Com a marca impressionante de 14 indicações ao Oscar, A Malvada foi ganhador de seis: filme, direção, roteiro, ator coadjuvante (George Sanders), figurino e som. Curiosamente, tirou a estatueta de um dos melhores filmes de todos os tempos, Crepúsculo dos Deuses, justamente um filme que, com temática semelhante, aborda de forma irônica os bastidores da indústria do cinema, igualmente com uma protagonista que sente o peso da idade frente a paranóia com o mito da juventude e a obsessão por idade, tão presente na sociedade do espetáculo – ainda hoje. São filmes como estes, cada vez mais raros, que nos lembram como o mundo do entretenimento e o cinema são puramente técnicas de ilusão e da mentira, assim como certa vez disse Brian de Palma: a câmera de cinema mente 24 vezes por segundo. A arte está em fazer piada disso.
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