O Feitiço da Ilha do Pavão
(JOÃO UBALDO RIBEIRO)
“ O Feitiço da Ilha do Pavão” é um livro com um enredo de personagens bastante complexas, onde se pode constatar, através da história narrada, a influência que o contexto social em que o individuo se desenvolve vai afectar as suas crenças, valores e comportamentos. Por esta razão e uma vez que se trata dos dois principais focos da história do livro, analisarei com mais detalhe o caso de Iô Pepeu, com o seu problema de erecção em relação a Crescência, e a estrutura social da Ilha do Pavão que ao longo da narrativa tenta ser alterada pelo mestre-de-campo Borges Bustosa, tudo devido à sua implicância com o facto de os índios viverem nas vilas.
Iô Pepeu é um jovem mulherengo cuja vida é simplesmente passar o tempo a dedicar-se aos prazeres do corpo, tendo o autor dedicado uma boa parte do texto a falar sobre a sua fixação por Crescência, pois era a única com que ele não conseguia ter uma relação física devia a relutância de Ela proferir a frase “A ela sem pena”. Tudo começa na adolescência de Iô Pepeu, a sua primeira experiencia sexual com uma criada que na altura do acto havia proferido “A ela sem pena!”, desde essa experiência que Iô Pepeu só conseguia se sentir excitado quando as mulheres com que estava dissessem a dita frase. Através do contexto que nos é apresentado e tendo em conta que o construtivismo promove um complexo modelo de sistemas em que o pensamento, o sentimento e o comportamento são expressões interdependentes das interacções resultantes ao longo da vida entre o self e os sistemas; consideramos que o episódio vivido influenciou os seus esquemas de pensamento que lhe afectou a nível biológico, uma vez que o sujeito é limitado pelas suas predisposições inatas. Experiência e aprendizagem podem progressivamente modificar estas predisposições, mas não podem extingui-las completamente, que é aquilo que verificamos com Iô Pepeu, porque quando a mulher refere a frase ele consegue dar continuidade ao coito.
A recordação que Iô Pepeu guardou da sua primeira experiencia sexual incluía a frase da qual ficou dependente e a partir daí em diante só conseguia consagrar o acto se a mulher falasse “A ela sem pena”, porque tal fazia parte dos seus esquemas cognitivos. Certamente, que se um psicólogo tivesse como cliente Iô Pepeu, a sua terapia se basearia em modelos construtivistas que permitissem fazer ver o cliente que possuí uma crença disfuncional que lhe está a afectar a nível biológico e trás consequências de auto-estima.
No inicio da história, a Ilha do Pavão não tem qualquer tipo de estrutura social. A realidade é que Capitão Cavalo, um homem respeitado e com poder na ilha, devido ao que a sua mulher lhe disse na hora da morte (a mulher de Capitão Cavalo sonha com uma ilha onde todos pudessem viver como iguais e livres), resolveu após trágico acontecimento liberta os seus escravos e ainda deixar claro que os que procurassem suas terras também iriam ser tratados de igual forma. Assim, a ilha com o correr dos anos foi se tornando um lugar de liberdade para todos, incluindo os índios que viviam nos matos. No entanto, o mestre-de-campo, não aprecia a presença dos índios que na maioria se passeiam nus e sem os supostos “modos” que a sociedade tanto apela para uma convivência entre pessoas, a partir daí desenrola-se toda uma série de tentativas de expulsar os índios para os matos, acabando por fim por simplesmente alterar a estrutura social da ilha, mais na vila de São João, sem que isso tenha afectado os índios que se passeavam na mesma pelas vilas.
À luz das perspectivas sistémicas, considerando que os problemas humanos deixam de ser compreendidos numa dimensão intrapessoal para alargar a sua compreensão aos sistemas mais próximos ou alargados onde o sujeito se desenvolve: “não há problemas psicológicos mas dimensões psicológicas de problemas sociais”, penso que as crenças do mestr-de-armas se deve ao contexto social que antes havia vivido em Portugal. As ideologias com que cresceu tornaram-se parte dos seus esquemas de pensamentos e criaram, para o caso da ilha do Pavão que vivia perfeitamente bem e em prosperidade económica, crenças disfuncionais. Até para si mesmo trouxe uma série de consequências, pois devido à ambição desmedida de expulsar os índios acabou por viver uma serie de contra-tempos.
Se consideramos a Ilha do Pavão como um sistema fechado, pode-se afirmar que tendeu para a autodestruição (entropia). Ou seja, segundo a teoria da disfuncionalidade, a estrutura social entrou em colapso pela ausência de fronteiras (desagregação). O que veio a acontecer, foi que o mestre-de-campo desafiou a estrutura social da Ilha do Pavão e active os processos de auto-regulação para que adquira um novo equilíbrio, reorganizando-se.
Porém, neste caso da narrativa do livro, o final foi decidido pelo grupo de Capitão Cavalo que descobriu um lugar onde podia controlar o tempo e consequentemente o futuro, optando por o futuro aleatório mais favorável aos seus desejos que surgia.
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