O preço de não escutar a natureza
(Leonardo Boff)
Cataclisma ambiental, social e humano se abateu sobre as três cidades
serranas do Estado do Rio de Janeiro, Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo,
em janeiro/2011, provocando centenas de mortos, grande destruição e um imenso
sofrimento aos que perderam familiares, casas e tudo que tinham. Sua
causa mais imediata foram as chuvas torrenciais, de verão, a
configuração geofísica das montanhas, com pequena camada de solo no qual cresce
exuberante floresta subtropical, sobre imensas rochas lisas, que pela
infiltração das águas e o peso da vegetação causam frequentes deslizamentos
fatais.
De quem é a culpa? Será de pessoas que ocuparam áreas de risco, de políticos
corruptos que distribuíram terrenos perigosos a pobres, do poder público que
não fez obras de prevenção? Há muita verdade aí. Mas nisso não está a causa
principal. Esta vem do modo como se acostuma tratar a natureza. Ela é
generosa, nos oferece tudo o que precisamos para viver. Mas, em contrapartida,
a tratamos como um objeto qualquer, sem nenhum senso de responsabilidade pela
sua preservação nem lhe ofertamos retribuição qualquer. Ao contrario,
tratamo-la com violência, depredamo-la, arrancando tudo dela para nosso
benefício. E ainda a transformamos em lixeira.
Somos analfabetos e ignorantes da história da natureza. Ignoramos o seu
percurso de milhares e milhares de anos. Não conhecemos a flora e a fauna, as
montanhas, os rios, as paisagens, as pessoas significativas que ai viveram,
artistas, poetas, governantes, sábios e construtores: e não nos preocupamos com
isso.
Há que se incluir na realidade científica não apenas os aspectos
meramente materiais e mecanicistas mas, a vida, a consciência e a
comunhão íntima com as coisas que os poetas, músicos e artistas nos mostram em
suas preciosas obras. O universo e a natureza possuem história, contada pelas
estrelas, pela Terra, pelo afloramento e elevação das montanhas, pelos animais,
pelas florestas e pelos rios. Que escutemos e interpretemos suas mensagens.
Os povos originários sabiam captar cada movimento das
nuvens, o sentido dos ventos e se vinham ou não trombas d’água. Chico
Mendes sabia interpretar cada ruído da selva, ler sinais da passagem de onças
nas folhas do chão e, com o ouvido colado ao chão, sabia a direção em que ia a manada
de perigosos porcos selvagens. Desaprendemos tudo isso. Com o recurso das
ciências lemos a história inscrita nas camadas de cada ser. Mas esse
conhecimento não entrou nos currículos escolares nem se transformou em
cultura geral. Antes, virou técnica para dominar a natureza e acumular mais.
Sobre as cidades serranas: é natural que haja chuvas torrenciais no verão e
desmoronamentos de encostas e ainda, o aquecimento global torna os eventos
extremos mais frequentes e mais densos. Sabemos dos vales profundos e os
riachos que correm neles. Mas, não ouvimos a mensagem que eles nos enviam de
não construir casas nas encostas; não morar perto do rio e preservar com zelo a
mata ciliar.
Pagamos alto preço pelo nosso descaso e pela destruição da mata atlântica que
equilibrava o regime das chuvas. O que devemos fazer agora é escutar a natureza
e fazer obras preventivas que respeitem o modo de ser de cada encosta, de
cada vale e de cada rio.
Só é possível controlar a natureza à medida em que lhe obedecermos e soubermos
escutar suas mensagens e ler seus sinais, aí, sim, poderemos evitar tais
tragédias.
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