Quarto de Despejo (Carolina Maria de Jesus)
(Marisete Andrade)
Quarto de despejo foi lançado em agosto de 1960 e editado oito vezes no mesmo ano; mais de 70 mil exemplares foram vendidos na época. O sucesso foi enorme, para uma tiragem então ser considerada bem sucedida, era preciso alcançar a margem de, aproximadamente, quatro mil exemplares. Nos cinco anos seguintes, o livro foi traduzido para 14 idiomas e alcançou mais de 40 países.
Quarto de despejo é um relato de fatos verídicos presenciados pela autora, que os registrou quase que diariamente. Carolina Maria de Jesus descreve a favela do Canindé, as pessoas e o tipo de vida que levam. Relata as brigas constantes entre os vizinhos, a fome, as dificuldades para se obter comida, as doenças a que estão sujeitos os moradores da favela, seus hábitos e costumes, as mortes, o suicídio, a presença constante da miséria de uma sociedade marginalizada e esquecida pelos governantes.“15 de julho de 1955. Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um par de sapatos para ela.”Assim tem início o diário de Carolina, que terminará em 1º de janeiro de 1960:“1.º de janeiro de 1960. Levantei as 5 horas e fui carregar água.”Ao longo desses anos, a autora registra a vida na favela, a sua luta diária contra a fome, o esforço para criar com dignidade os filhos José Carlos, João e Vera Eunice. A fome é uma constante ao longo da obra:"Como é horrível ver um filho comer e perguntar: Tem mais? Esta palavra tem mais fica oscilando do cérebro de uma mãe que olha a panela e não tem mais. E a pior coisa para uma mãe é ouvir esta sinfonia: - Mamãe eu quero pão! Mamãe, eu estou com fome! Eu estou triste porque não tenho nada para comer.” Quando consegue algum alimento, a narradora reflete sobre sua condição:“Quando eu levava feijão pensava: hoje eu estou parecendo gente bem, vou cozinhar feijão. Parece até um sonho!”A miséria que presencia é tão chocante que Carolina acha que alguém poderia não acreditar no que conta:“.... Há existir alguém que lendo o que eu escrevo dirá... isto é mentira! Mas, as misérias são reais.”O contraste entre a favela e a cidade é percebido com senso crítico:“Quando eu vou na cidade tenho a impressão de que estou no paraíso. Acho sublime ver aquelas mulheres e crianças tão bem vestidas. Tão diferentes da favela. As casas com seus vasos de flores e cores variadas. Aquelas paisagens há de encantar os visitantes de São Paulo, que ignoram que a cidade mais afamada da América do Sul está enferma. Com as suas ulceras. As favelas.” Fatos corriqueiros como brigas entre marido e mulher, entre as mulheres e os bêbados, mortes por intoxicação com alimentos putrefatos são narrados com detalhes por Carolina:“Eu já estou tão habituada a ver brigas que já não impressiono. Despertei com um bate-fundo perto da janela. Era a Ida e a Amália.A briga começou lá na Leila. Elas não respeitam nem a extinta. O Joaquim interviu pedindo para respeitar o corpo. Elas foram brigar na rua.”Sempre em atrito com os vizinhos por causa dos filhos, Carolina diz:“ Os meus filhos estão defendendo-me. Vocês são incultas, não pode compreender. Vou escrever um livro referente a favela. Hei de citar tudo que aqui se passa. E tudo que vocês me fazem. Eu quero escrever o livro, e vocês com estas cenas desagradáveis me fornece os argumentos.”Carolina demonstra ser uma pessoa atualizada em relação ao que se passa na vida política do país, fazendo constantes referências aos políticos em destaque na época, como Carlos Lacerda, Jânio Quadros, Adhemar de Barros e Juscelino Kubitschek.A exploração da boa-fé do povo pelos políticos na época de eleições, as visitas dos candidatos à favela, os pequenos agrados e as promessas não cumpridas são registradas pela narradora de forma crítica e consciente.Sobre sua obra, Carolina afirmou:"Escrevo a miséria e a vida infausta dos favelados. Eu era revoltada, não acreditava em ninguém. Odiava os políticos e os patrões, porque o meu sonho era escrever e o pobre não pode ter ideal nobre. Eu sabia que ia angariar inimigos, porque ninguém está habituado a esse tipo de literatura. Seja o que Deus quiser. Eu escrevi a realidade."
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