O poder midiático
(In: Moraes; Denis(org.): Por uma outra comunicação. Rio de Janeiro; RJ: Ed. Record; 2003.)
Ignacio
Ramonet, em seu artigo “O poder midiático”, declara que o jornalismo não existe
mais. Segundo ele, poderíamos, até há alguns anos, falar em três esferas
“autônomas e praticamente independentes” dentro do universo da comunicação: uma
esfera da informação; uma outra relativa à publicidade; e, finalmente, uma
esfera relativa à comunicação de massa. Com o mundo da internet, consequência
da revolução digital, essas três esferas teriam se convergido e se misturado
nos processos das megafusões empresariais entre grandes grupos privados e
empresas de comunicação.
Para
Ramonet, o sistema midiático assim constituído em oligopólios, e com a
tendência de continuar se concentrando cada vez mais, é o segundo poder que
rege o mundo atual – o primeiro é o poder econômico e financeiro – e funciona
como o aparato ideológico da globalização. Sendo oportuna a comparação com a
informática: “[o sistema midiático] é o sistema que, em certa medida, constitui
o modo de inscrever, no disco rígido de nosso cérebro, o programa para que
aceitemos a globalização” (RAMONET, 2003. p. 246).
Hoje, mais
do que nunca, a emissão de informações constitui um mercado. Mas não porque
compramos jornais e revistas. A “informação” está cada vez mais gratuita –
podemos nos informar pela TV sem pagar nada, e pela Internet, pagando apenas
pelo acesso ao meio. O comércio lucrativo que se pratica na verdade é a venda
de consumidores pelas empresas midiáticas a seus anunciantes. A mídia virou
mais um comércio no mundo globalizado. É um produto que vende bem e vende
fácil. Os meios estão interligados entre si – o rádio passa aquilo que a TV
mostra, que é copiada pelo impresso e que muito antes disso já estava na
Internet. É uma mesma mercadoria que roda em todos os meios, para ser aceita
pelo público que a recebe. Uma maneira prática de monopolização.
Nesse
sentido, a
roda viva movida pelo lucro fará com que se busque um programa que dê audiência
sem se preocupar com a qualidade da programação e, na maioria das vezes,
repetindo fórmulas de sucesso dos adversários.
Ramonet
exemplifica essa questão com o esporte, um grande meio de ganhar com
publicidade. Nas palavras de Ramonet: “É muito menos uma prática esportiva que
se desenrola em uma cancha do que um espetáculo que se difunde pela televisão”.
O poder midiático é o meio utilizado para nos passar essa idéia de
globalização. Tudo pode ser usado na mídia enquanto esse “tudo” trouxer
benefícios financeiros.
Nesse
processo, a fluidez e o imediatismo da notícia, transmitida em pílulas de
informação, visando primordialmente à mercadoria, no ponto de vista do
jornalista francês, tiraram da prática jornalística sua preocupação em ser um
diário da vida cotidiana, algo que paulatinamente fosse gerador de uma esfera
pública de debate e produção de conhecimento. Afirma: “passamos de um mundo do
jornalismo para um mundo do imediatismo, do instantaneísmo,
não há tempo para estudar a informação”. Tomando como referência as grandes
empresas de comunicação e o uso espetacularizado da notícia, subordinada à
lógica do mercado e entendida fundamentalmente como peça publicitária, artigo
de consumo, Ramonet decreta, portanto, a morte do jornalismo.
Mas,
quando Ramonet lamenta a morte do jornalismo, dizendo que a informação, hoje, “não é um discurso que tenha a vocação
ética de educar o cidadão ou de informar, no bom sentido da palavra, o cidadão”,
ele claramente lamenta o fim de um jornalismo consciente e pedagógico. Ramonet
lamenta que o jornalismo, ao se tornar mercadoria, seja lugar de uma informação
“feita cada vez mais de impressões, de sensações”. Lamenta seu caráter
retórico, sua “simplicidade” e a utilização que faz da espetacularização e da dramatização
– objetivando mexer com a emoção do espectador, ainda que para isso tenha que
desvirtuar a realidade. Tais características, para ele, infantilizam o discurso
da informação.
Para
Ramonet, é inegável o papel do jornalista para a morte do jornalismo:
“Mas
é preciso lembrar que essa instituição social não existe fora dos sujeitos
concretos, históricos, que a constituem. No caso do jornalismo, é preciso levar
em consideração não só o monopólio das empresas sobre os meios de comunicação,
mas o monopólio das palavras pelos agentes autorizados a proferi-las: os
jornalistas.”
Quando
analisamos a atuação dos jornalistas e a prática do jornalismo hoje, nas mídias
de maior penetração, chegamos à conclusão de que está valendo a regra, não a
exceção. Não há dúvidas de que a informação veiculada nos grandes jornais não
visa à promoção da transformação social e à formação de uma consciente esfera
pública. Tanto informação como informador são mercadorias, presos às exigências
do mercado de trabalho, ao poder das grandes empresas, à adesão a um sistema
formal de produção das notícias que tende ao imediatismo e à superficialidade.
Entretanto,
mesmo diante desse quadro, Ramonet nos dá uma boa notícia: tem havido procura
por informação alternativa e de qualidade. Muitas pessoas querem a verdade, não
se contentam mais em serem tratadas como incapazes pelas grandes cadeias de
comunicação. O grupo social que percebeu
que vivemos sob um regime totalitário comandado pelas grandes corporações – e
que sabe que a única maneira de enfrentar este poder é com conhecimento e
informação relevante – tem crescido. Não é possível mais aceitar espetáculo,
publicidade ou ideologia – de qualquer orientação – fazendo as vezes de
conteúdo informativo.
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