Fantasia (psicanálise)
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Roteiro imaginário, em que o sujeito quase sempre está presente, representando, de modo mais ou menos deformado pelos processos defensivos, a realização substituta de um desejo e, em última análise, de um desejo inconsciente, que não pode se realizar com tranquilidade, pelos impedimentos momentâneos quer físicos, de oportunidades ou morais (ideal de ego).
A fantasia apresenta-se sob distintas modalidades: fantasias conscientes ou sonhos diurnos e fantasias inconscientes, decorrentes da interpretação dos sonhos ou dos atos falhos, ou seja, do retorno do recalcado. Os termos fantasias, fantasístico, não podem deixar de evocar a oposição entre imaginação e realidade .Se fizermos desta oposição uma referência principal da psicanálise, seremos levados a definir a fantasia como uma produção puramente ilusória, que não resistiria a uma constatação da realidade. Freud opõe ao mundo interior, que tende para a satisfação pela ilusão (princípio do prazer), um mundo exterior que impõe progressivamente ao sujeito, por intermédio do sistema perceptivo, o princípio de realidade.
O modo como Freud descobriu a importância das fantasias na etiologia das neuroses é também invocado, muitas vezes, no mesmo sentido: Freud, que tinha começado por admitir a realidade das cenas infantis patogênicas encontradas no decorrer da análise, teria abandonado definitivamente esta convicção inicial, denunciando o seu “erro”; a realidade aparentemente material dessas cenas, em alguns casos, não passava de “realidade psíquica” (fantasias próprias do sujeito, relativas aos seus conflitos). “Deve-se sempre atribuir uma realidade própria (psíquica) aos desejos inconscientes. Quando descobrimos em um paciente desejos inconscientes somos, na
verdade, forçados a dizer que estamos diante de uma realidade psíquica, que é uma forma de realidade própria, especial, construída interiormente pelo ego e que não pode ser confundida com a realidade deste indivíduo perante seus objetos.” O que Freud designa sob o nome de fantasias são, em primeiro lugar, os sonhos diurnos, cenas, episódios, romances, ficções, que o sujeito forja e conta a si mesmo no estado de vigília. Em Estudos sobre a histeria 1895, Breuer e Freud mostraram a freqüência e a importância dessa atividade da fantasia na pessoa histérica e, escreveram-na como sendo, muitas vezes, “inconsciente”, quer dizer, produzindo-se no decorrer de estados do sono, de ausência ou estados hipnóides. Em “A interpretação de sonhos, 1900”, Freud ainda descreve as fantasias a partir do modelo dos sonhos diurnos. Essas fantasias ou sonhos diurnos podem sofrer uma elaboração secundária, semelhante ao trabalho racional do ego no sonho, procurando adequá-las à realidade imposta pelo ideal de ego e pelo superego, modoficando-as.
Freud encontra, na fantasia, um ponto privilegiado, onde poderia ser apreendido, ao vivo, o processo de passagem entre os diversos sistemas psíquicos: recalque ou retorno do recalcado. As fantasias chegam bem perto da consciência e ali permanecem (pré-conscientes), sem serem perturbadas enquanto não sofrem uma ação de desinvestimento pela elaboração, mas são rejeitadas e recalcadas logo que ultrapassam um certo nível de investimento que possa ameaçar a estabilidade mental do ego. Na definição metapsicológica mais completa de fantasia que Freud apresentou, ele liga seus aspectos aparentemente mais distantes uns dos outros: “Elas [as
fantasias] são, por um lado, altamente organizadas, não contraditórias, aproveitam todas as vantagens do sistema consciente e o nosso discernimento teria dificuldade para distingui-las das formações desse sistema; por outro lado (muitas vezes) são inconscientes e incapazes de se tornarem conscientes, aparecendo deformadas nos
sonhos. No tratamento, o psicanalista deve procurar encontrar a fantasia que existe por trás das produções do inconsciente como no sonho, no sintoma, na atuação durante o processo terapêutico, nos comportamentos repetitivos (ex. Lavar as mãos).
A fantasia está na mais estreita relação com o desejo. Como conceber essa relação? Sabe-se que, para Freud, o desejo tem a sua origem e o seu modelo na vivência de satisfação: “O primeiro desejo parece ter sido decorrente de um investimento alucinatório da recordação da satisfação.” A fantasia também pode ser um recurso utilizado pelo indivíduo, de forma inconsciente, para lidar com uma realidade dolorosa, para a qual ele não se encontra ainda fortalecido o suficiente. Relatamos aqui um estudo de caso em que o terapeuta, ao pesquisar a respeito de fantasias, observa o seguinte: “A paciente relatara ter uma fantasia muito intensa sobre estar num carro conversível vermelho, em alta velocidade, acompanhando um belo rapaz mais velho que ela e, a um determinado momento, com o carro em pleno movimento, eles então atingiam juntos o orgasmo. Ao avançar na terapia, buscando elementos para interpretação desta fantasia, o terapeuta descobre que a paciente tivera um irmão mais velho, que sempre fora seu ídolo (mas que ela sequer mencionara na anamnese) que, ao passar no vestibular, ganhara um carro conversível da família e, ao passear com a namorada, em alta velocidade, sofrera um acidente, vindo a falecer. Na verdade, a família, para tentar minimizar esta grande perda, nunca mais mencionou o nome do irmão, era como se ele nunca tivesse
existido, mas aquela perda ficou profundamente recalcada, sem elaboração do luto, sendo transformada em uma fantasia de prazer, em que ela conseguia modificar o final. O carro que ele ganhara não era vermelho, mas ela, na época viu o estado do veículo após o acidente – cor de sangue e gravou esta imagem”.
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