Regra de Abstinência - técnica psicanalítica
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Regra de prática analítica, segundo a qual o tratamento deve ser conduzido, de tal modo, que o paciente encontre, o menos possível, satisfações substitutivas para os seus sintomas. Implica, para o analista, o preceito de se
recusar a satisfazer os pedidos do paciente e a preencher efetivamente os papéis que este tende a lhe impor. A regra de abstinência, em certos casos e em certos momentos do tratamento, pode constituir-se, especificamente, em indicações relativas a comportamentos repetitivos do sujeito, que dificultam o trabalho de rememoração e de elaboração.A justificação desta regra é de ordem essencialmente econômica. O analista deve evitar que as quantidades de libido, liberadas pelo tratamento, por conta do desinvestimento de recalques, se reinvistam, imediatamente, em objetos exteriores, antes que estes conteúdos tenham sido perlaborados (se houver desinvestimento, mas não houver perlaboração, estas mesmas crenças e atitudes inadequadas que geraram o recalque poderão ser levadas a um novo objeto: e a situação acabará se repetindo); elas devem ser, tanto quanto possível, transferidas para a situação
analítica. A energia libidinal encontra-se aí ligada pela transferência e qualquer possibilidade de descarga, que não seja a expressão verbal, lhe é recusada. Do ponto de vista dinâmico, a mola propulsora do tratamento tem origem na
existência de um sofrimento por frustração; ora, este tende a atenuar-se, à medida que os sintomas dão lugar a comportamentos substitutivos mais satisfatórios. Seria, pois, importante manter ou restabelecer a frustração, para evitar a estagnação do tratamento. A noção de abstinência está implicitamente ligada ao próprio princípio do
método analítico, na medida em que este faz, da interpretação o seu ato fundamental, em lugar de satisfazer as exigências libidinais do paciente. Não é de admirar que seja, a propósito de uma exigência particularmente premente, aquela própria ao amor de transferência, que Freud aborda explicitamente, a questão da abstinência: ?quero propor a regra de que é preciso manter, nos doentes, necessidades e aspirações, como forças que os impelem para o trabalho interno de perlaboração e para a mudança e evitar calá-las com satisfações substitutas.
Foi com Ferenczi que os problemas técnicos, colocados pela observância da regra de abstinência, tiveram que passar para o primeiro plano das discussões analíticas. Ferenczi preconiza, em certos casos, medidas tendentes a afastar as situações substitutivas, encontradas pelo paciente, no tratamento e fora dele. Freud, na sua comunicação final ao ?Congresso de Budapeste, 1918, aprovava, em seus princípios, estas medidas e as justificava teoricamente: ?por mais cruel que possa parecer, devemos fazer o possível para que o sofrimento do doente não desapareça prematuramente, de modo acentuado. Quando este sofrimento se atenua, porque os sintomas se desagregaram e perderam seu valor, somos obrigados a recriá-los noutro ponto, sob a forma de uma privação penosa.
Para esclarecer a discussão, sempre atual, em torno da noção de abstinência, parece que haveria interesse em distinguir, nitidamente, por um lado, a abstinência como regra que se impõe ao analista – simples conseqüência de sua neutralidade – e, por outro, as medidas ativas pelas quais se pede ao paciente que ele mesmo se
mantenha num certo estado de abstinência. Tais medidas vão, desde certas interpretações, cujo caráter insistente pode equivaler a uma injunção, até as interdições formais. Estas, embora não visem proibir ao paciente qualquer relação sexual, incidem geralmente em certas atividades sexuais que se evitam, ou em certos modos de atuação de caráter repetitivo que parecem paralisar o trabalho analítico. É, em relação a recorrer a essas medidas ativas, que a maioria dos analistas se mostra muito reservada, sublinhando, particularmente, o risco que o analista corre, de ser
então, assimilado a uma autoridade repressiva. No entanto, esta perda de neutralidade a que se expõe o terapeuta, quando propõe a abstinência, é legítima e permitida.
É importante, durante o tratamento analítico, quando ocorrem desinvestimentos importantes, provocando o aumento da auto-estima, por conta de aumento de energia disponível para a vida de relação, orientar o paciente para que ele se abstenha de tomar uma decisão mais séria e decisiva. Um exemplo clássico é o do paciente que, tendo fobias, interpretadas pelo psicanalista, como medo da homossexualidade, consegue desinvestir parte da energia
que, até então, era direcionada para contra-investir sobre estes recalques e, antes mesmo da perlaboração, se diz curado por estar namorando.
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