Providence
()
Sinopse. Drama em narrativa não linear. Às vésperas de completar 78
anos, o viúvo escritor Charles Langham sofre uma noite de dores, insônia, culpa
e solidão. Além dos remédios, é o novo romance em que trabalha que o mantém
vivo. Nesta nova obra, são seus filhos Claude e Kevin, a nora Sonia e a
falecida esposa Molly os personagens que ele cria, entrelaça, comanda, manipula
e de quem se vinga. Assim, Claude é o promotor que vê Kevin, o réu acusado do
assassinato de um velho, não apenas ser inocentado pelo júri, mas também
tornar-se objeto de desejo de sua esposa, a mesma Sonia da vida real. Na visão
alucinada e sarcástica de Langham, Claude, que sempre culpara o pai pelo
suicídio de Molly, terá ainda no livro uma amante, vivida pela própria Molly,
sua mãe.
Comentário. Lembranças não seguem uma sequência, tampouco se prendem
a uma ordem determinada. Muito menos quando aliadas à criação. Desde o início
de sua carreira como diretor (com Hiroshima
Mon Amour e O Ano Passado em
Marienbad), Alain Resnais já demonstrava sua opção por uma narrativa guiada
pela inconstância da memória. Quebras de ritmo, repetições, símbolos, rejeição
a padrões. Nada agradável a adeptos da maneira convencional de contar uma
história, o que fez do diretor objeto tanto de idolatria quanto de ódio. Pois
Resnais voltaria a fazer isto, e de maneira extremamente elegante, neste Providence (Providence, França/Suíça, 1977), exercício irresistível de estilo
cujo roteiro, a cargo de David Mercer, apresenta invejável quantidade de
grandes diálogos, situações improváveis ou de puro nonsense que conseguem, sem perder
a harmonia, atingir um final aparentemente banal mas de grande emoção.
Sob a música marcante de Miklós
Rósza, a história de Claude, Sofia, Kevin e Molly se desenrola aos olhos do
espectador como se estivesse sendo escrita naquele instante por Langham, que
narra, comenta, divaga, corrige, xinga e gargalha a cada passagem. Não devem
causar surpresa, por isto, momentos em que um personagem entra em cena para
dela sair logo depois, expulso pelo narrador. Paralelamente, vê-se Langham
sozinho na cama, resmungando ou aplicando em si mesmo o supositório, ora
morrendo de rir de uma frase, ora sofrendo com determinada lembrança.
“Dizem que minha ambição por
estilo desumaniza os personagens”. As palavras são do próprio Langham, mas
poderiam ser de Resnais. De fato, os primeiros três quartos do filme são
marcados por atuações excessivas, teatrais, quase caricaturais. São marcadas
também por um humor que transita entre o sarcasmo e o surrealismo, visto na
fixação por lobisomens, nas aparições absurdas do jogador de futebol e em
diálogos como o do reencontro entre Claude e a amante: “Você parece bem”, diz
ele; “Estou morrendo”, diz ela, antes de confessar uma doença terminal.
Volta-se, com isto, a outra frase de Langham: “Na dúvida, o melhor é
surpreender”.
E Providence surpreende. O título vem da bela e grandiosa propriedade
onde Langham vive com um par de criados, e é em seu jardim que se dá o almoço
ao final, comemorando o aniversário do patriarca com a presença dos dois filhos
e da nora. Aqui, o festival delirante de comportamentos bizarros do início cede
lugar a uma comovente humanidade, manifesta principalmente na atuação sensível,
plena de sutilezas, de John Gielgud e Dirk Bogarde. Este último, responsável
por uma verdadeira transformação: o Claude falante, egoísta e artificial aos
olhos do pai, quando deixa o romance e é transportado para a realidade se
transforma num homem silencioso e expressivo, que em apenas uma cena consegue transmitir,
com o olhar, toda a amargura e o rancor que a civilidade se esforça por
ocultar.
Resumos Relacionados
- O Processo Da Dra Forrester
- O Fantasma Da Liberdade – Luis Buñuel
- O Corcunda De Notre Dame
- As Diabólicas
- Os Altares Do Medo (les Autels De La Peur)
|
|