A Mulher de Pilatos
(Antoinette May)
Narrativa ficcional, de ritmo
vigoroso, fortemente movimentado. Relata
o que teria sido a vida da esposa de Pôncio Pilatos, a respeito da qual somente
se conhece seu nome, além do versículo bíblico referente. Cláudia Prócula, de
acordo com o Evangelho, intercede a favor de Jesus, pedindo que seu marido não
se embarace com aquele justo que a fizera sofrer em sonhos (Mateus, 27:19).
Quanto ao conhecido Pilatos, personagem
de variadas passagens bíblicas, este fornece à autora, epígrafe excelente à obra.
“O que é a verdade?”
É fácil identificar como verdadeiro,
o núcleo familiar formado pelo casal Germânico e Agripina (ele, talvez o maior general
de toda História do Império Romano, ela uma das mais populares matronas romanas)
juntamente com as figuras reais de seus jovens filhos (Calígula, o futuro
imperador pervertido), Nero (homônimo do futuro imperador acusado de incendiar
Roma) e Agripila (futura mãe de Nero, o incendiário
mais conhecido). Em sua adolescência
supostamente ficcional, Cláudia cresce tendo esses jovens como seus primos e
aquele ilustre casal como seus tios. Vidente desde tenra idade, atormentada por
pesadelos, nada pode fazer para impedir as tragédias que se abaterão sobre as
pessoas que ama. Tanto as reais como as ficcionais (atente ao fato de que a
autora estudou 14 anos para elaborar esta obra. O que ela descobriu de verídico
a respeito de Claudia, ela não nos informa).
Nem tão simples é diferenciar o factível
do improvável em se tratando dos personagens mais ligados à religião: Jesus e
Mirian de Magdala (Maria Madalena).
Na verdade, em grande parte, o livro
se ocupa de temas religiosos, afirmando a influência da religiosidade greco-romana sobre
o então futuro cristianismo. Cláudia é devota de Ísis, deusa egípcia, amada pelos
pobres por receber pessoas de todas as camadas sociais como seus filhos. Ainda
que os templos em sua homenagem se espalhem pelo Império, ela vive nos corações
e nas mentes dos seus discípulos (assim antecede o culto católico à Maria). O
primeiro encontro entre Claudia e Jesus acontece exatamente no Egito durante
uma festa em honra a Ísis, à qual o então futuro Messias comparece. Por volta
dos vinte anos de idade, ele revê o Egito onde viveu parte da infância e se diz
ainda não preparado para sua missão. Talvez se possa também dizer que as
vestais de Roma (a irmã de Claudia torna-se vestal) tenham sido as ‘freiras do
mundo antigo’. Outra coincidência se nota no tocante ao machismo, bastante
cruel tanto na cultura romana quanto na Judéia, enfim em todas as sociedades
antigas. As punições e restrições reservadas às mulheres da época são reais.
A exceção ao preconceito reside no
personagem Jesus. Nesse ponto, o livro flerta com as populares obras literárias
de vertente conspiratória, sem no entanto, ousar a pretensão de embasar
teorias. Ao se aprofundar na narrativa, o leitor já acostumado com o ritmo de
aventura do conto (da Gália ao Egito, da Síria à Roma) sente o nível de
veracidade dos fatos. Aprende o significado de termos como liteira, vestal, sestércio,
dominus...Delicia-se com os detalhes
dos desfiles militares triunfais e dos espetáculos dos gladiadores. A descrição
de templos, monumentos e dos costumes antigos é arrebatadora. Embora pesquisar
nunca seja demais para quem aprecia a aventura histórica. Voltaire em Tratado Sobre a Tolerância descrê que o
episódio envolvendo Paulina Tigélio seja verdadeiro, afinal “Josefo
(historiador) é o único que relata este fato, ele não era contemporâneo, era
crédulo e exagerado” (p. 50). Porém, também ele corrobora a tolerância que
caracterizava Roma, afinal “seja verdadeira ou falsa essa história (a de
Paulina), é certo que a superstição egípcia tinha construído um templo em Roma
com o consentimento público” (p. 50).
Voltando a Jesus (fundamental na
história, afinal foi quem tornou Claudia merecedora de protagonizar o livro), a
autora narra seu casamento com Maria Madalena. A discípula é concebida pela autora de modo mesclado, com
elementos tanto de sua visão tradicional como de sua recente imagem polêmica.
Abandonada pela família judaica após uma tragédia particular, tornou-se bem
sucedida cortesã em Roma, onde travou relacionamentos com pessoas importantes. Entretanto
nem o êxito financeiro e nem os mistérios do ocultismo a satisfazem.
De volta à sua terra, apaixona-se
por um homem com fama de santo que não se importa com seu passado de
ex-prostituta. Aliás ele não liga mesmo pra muita coisa. Tem parentes ricos e
convida para sua festa de casamento um bando de excluídos sociais. Descende de
Davi – ‘Por direito, a Judéia, a Galiléia, a Samaria, todas as terras de Israel
são dele’ (p. 337) - mas diz que seu
reino não é deste mundo. Atrai a ira do poderoso Caifás ao atacar os cambistas
do Templo de Jerusalém, este que ousa chamar de “casa de seu pai”. Ainda que
demonstre grande sagacidade e seja um líder carismático, impressionando até
mesmo o governador Pilatos, nada faz para se salvar da própria morte.
Madalena e Claudia, amigas desde
longa data, tentam salvar Jesus sem sucesso. Separadas por um tempo,
reencontram-se na Gália (como nos conta o Código
da Vinci, existem hoje várias igrejas em homenagem a Maria Madalena no sul
da França – a Gália romana). Pilatos, desprestigiado e empobrecido, consola-se
por ser perdoado pelos cristãos, o que surpreende Claudia, que não entende o novo culto. “Um pai que
sacrifica o próprio filho? Um rei que morre como criminoso? Seguidores de
Pedro. Seguidores de Paulo. Eles brigam clamorosamente entre si [...]” (p.
391). De acordo com relatos e tradições, diferente do que se passa no final do
livro, Pilatos morreu louco e Claudia tornou-se cristã e santa.
O que é a verdade?
O prazer propiciado pela leitura
desta grande obra é indubitável. Esta é uma verdade.
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