Os Três Desejos 
(Ruth Guimarães)
  
Um casal de velhos, numa noite de frio,
 de muito frio mesmo, quando os animais se escondiam em suas tocas, e o vento
 descabelava as árvores, sentaram-se diante de um bom fogo de lenha, na taipa do
 fogão.
 Sentaram-se e ficaram. Não conversavam, pois não tinham assunto. Pouco saíam de
 casa, não trabalhavam, não freqüentavam a casa dos outros, não liam
 jornais, nem livros, nem iam ao cinema, nem a teatro, não viajavam. Portanto,
 não tinham assunto. Deixaram-se ficar muito calados, espiando as alegres
 labaredas, e esfregando de vez em quando as mãos geladas. Ficando tarde, e eles
 não se animavam a ir para a cama, onde não se aqueceriam os seus velhos ossos,
 por falta de cobertores. Havia mais: a cabana tinha buracos todos os lados.
 Somente diante do fogo estavam bem. E assim foram ficando.
 
 Já fazia muitas horas que estavam ali, calados, olhando o fogo. A
 lenha se consumiu, no lugar das chamas ficou um brasido vermelho, alegre, com
 uns estalidos frequentes, o ar acima dele cintilava, parecia vivo, o fogo era
 como um duendezinho que segredava coisas.
 
 Sentiram fome. O velho olhava desconsolado do brasido para o fumeiro, onde não
 se pendurava nem um triste pedaço de chouriço. A velha seguiu-lhe o olhar e pôs
 em palavras o pensamento de ambos:
 
 - Que bom, se caísse nesse brasido um pedaço bem grande de lingüiça de carne de
 porco, temperada com uma pimentinha do reino e alho e cebola. E caindo,
 começasse a chiar, estalando, o cheiro se espalhando pela casa inteira. Ai,
 como havia de ser delicioso comê-la!
 
 Nessa hora, os anjos do céu estavam dizendo amém. No mesmo
 instante caiu na brasa, tal como a velha dissera, um pedaço bem grande de
 lingüiça de porco. A linguiça se retorcia, assando, e o cheiro se espalhou, de
 bom tempero como se deve. Engoliam os velhos em seco, antegozando o momento de saborear
 o bom-bocado, quando o velho se lembrou de uma coisa em que ainda não pensara.
 Com efeito, se o pedido de lingüiça fora tão prontamente atendido, um outro
 pedido, de dinheiro, por exemplo, seria atendido no momento, do mesmo modo.  
 
 – Estúpida – rosnou para a mulher. – Pedir lingüiça. Bem se vê que você nasceu
 pobre, num monte de lixo. Por que não pediu riqueza, não pediu jóias, não pediu
 dinheiro? 
 
 A
 velha se encolheu:
 
 - Que sabia eu de pedidos? Como podia adivinhar que… que…
 
 - Estúpida – tornou a gritar o velho - Sabe o que eu queria?
 
 E antes de raciocinar, levado pela raiva, formulou o segundo desejo:
 
 - Que essa linguiça saísse das brasas e se pendurasse no seu nariz!
 
 O pedaço de lingüiça deu um volteio, subiu e, diante do velho estupefato,
 grudou-se ao nariz da mulher.
 
 – Uai! – berrou a mulher.
 
 Agarrou-se à lingüiça com as duas mãos, puxou, o velho foi ajudá-la.
 
 – Aiaiaiaiaiai! Ai ai!
 
 Puxa que puxa, a lingüiça nada de sair.
 
 A velha, desesperada, gritou:
 
 - Eu quero já já, que essa lingüiça…
 
 - Não! – gritou o marido, tapando-lhe a boca com a mão. – Não. Vamos pedir uma
 coisa mais valiosa. Mulherzinha do meu coração! Deixa a lingüiça aí, que não
 está incomodando tanto. Vamos pedir uma bonita casa.
 
 – Não! – berrava a velha.
 
 – Então um terreno com um formoso lago no centro.
 
 – Não.
 
 – Então uma arca cheia de moedas de ouro.
 
 – Não e não.
 
 Aproveitando-se de um momento em que o marido se distraiu e não teve tempo de
 lhe tapar a boca, ela falou, depressa:
 
 - Quero que se desprenda do meu nariz essa lingüiça.
 
 E assim, viram eles satisfeitos os seus três desejos! 
 
  
 
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