O Pássaro Raro
(Paula Cajaty)
O
homem passa a vida mascarando o real e enfeitando a verdade para que ela não
pareça tão improvável. Mas o real e a verdade às vezes dão as mãos e
misteriosamente escapam dessa gaiola dourada onde vivem trancados.
Em "O pássaro raro", Jostein Gaarder, o filósofo alemão traduz em
contos nossa perplexidade com o óbvio, esse óbvio que aprendemos a disfarçar
tão bem. Ele narra essa perplexidade sistematicamente esquecida por nós desde a
infância.
O autor conta que "O pássaro raro" se exibe em breves momentos, traz
constatações perturbadoras e formula perguntas que imobilizam e levam ao
impasse essencial: a dúvida eterna sobre o que somos e o que fazemos
perambulando a esmo numa esfera em suspenso no espaço (in)finito.
O
livro traz dez histórias que possuem uma única semelhança: pessoas que se dão
conta da verdade, que param para pensar no mundo, na sua própria existência, de
forma profunda, em dado momento da vida, eis que nesta hora, o Pássaro Raro
pousou no seu ombro.
Cada um dos dez contos traz um pré-texto, uma chave que antecipa, auxilia
ou complementa a compreensão da história que se segue. Os contos também usam a
morte, a loucura, o amor elevado ao último grau, ou mesmo o questionamento dos
limites entre real e ficção, como os eventos que desatrelam a porta da gaiola
dourada e permitem o voo desse pássaro raro.
O livro foi publicado originalmente em 1986, e desde então já havia uma
consciência do autor sobre o que acontece na atualidade. Em dois exemplos,
Jostein aborda a supremacia do interesse na vida alheia a esvaziar o conteúdo
da própria vida, cerne do primeiro conto "O scanner do tempo", bem
como a publicização e eternização do pensamento de cada ser humano no conto
"O catálogo". Ambas as histórias nos mostram que Gaarder assume
idêntica estatura de um Adolf Huxley em "Admirável mundo novo", ou de
um George Orwell, em "Grande irmão", obras ficcionais que se
revelaram verdadeiras profecias realizadas.
Ao contrário de um livro de auto-ajuda, "O pássaro raro" é a pílula
vermelha da nossa Matrix.
Jostein Gaarder, utilizando-se dos mais diversos estilos literários, através
das suas belas figurações, exibe nossa própria inaptidão em conviver com a
crueldade do mundo e encena imagens que se gravam e se perpetuam dentro de nós.
Resumos Relacionados
- Carlos Susseking - Vida E Obra
- Fantasmas Do Século Xx
- Chaucer E A Piedade
- O Vôo
- O Dia Do Curinga
|
|