A Segunda Vida de Francisco de Assis
(José Saramago)
Texto teatral em dois atos. Os 14 personagens são
representações de figuras presentes nas biografias clássicas de São Francisco.
No primeiro ato se vê, num flash histórico, a primitiva
Ordem de São Francisco, apoiada num ideal de estrita pobreza. Em contraste com
a primeira fase medieval, a Ordem é vista a partir daí como companhia
ortganizada em moldes contemporâneos, chefiada por um presidente dotado de
visão que caracteriza um homem realizado no mundo dos negócios. Gerida por
Elias, a companhia tem carteira de títulos, agentes na rua vendendo produtos
básicos e dispõe de uma máquina burocrática moderna e eficiente.
Ao abrir da cena, Elias, na história, Ministro Geral quer
adaptar a ordem aos novos tempos. Saramago mostra-o como presidente da
companhia, analisando pesquisas que apontam uma tendência para reduzir a área
de influência da empresa.
Pela boca dos personagens assiste-se ao debate que o
conselho da companhia faz em relação aos dados da pesquisa apresentada por
Elias. "À primeira vista - intervém Bernardo- o remédio seria fácil:
deveríamos melhorar a qualidade do produto, uma vez que é para aí que a maioria
se inclina". Gil opina que "o produto principal não pode ser melhorado".
O debate se aprofunda e finalmente o conselho está apto a votar. É quando Francisco
aparece em cena e toma conhecimento da evolução da Ordem que agora se chama
companhia e dos agentes que andam pelo mundo a vender. A ação é conduzida pelo
discurso que mostra o antes e o agora: "Dantes, não vendíamos", diz
Francisco. "Isso era dantes. Agora vendemos", diz sua mãe D. Pica. Na
época da fundação, a companhia era de pobres, agora, conforme sabe através de
sua mãe, "a companhia não é pobre". "As coisas já não são o que
eram. Houve muitas mudanças"e "A companhia enriqueceu. Está tão rica
que não seria possível contar o dinheiro que tem."
Francisco pede para que Elias venha à sua presença. A
partir do encontro dos dois, o discurso se aprofunda e a peça tenta mostrar as
diferenças entre a Ordem e a Companhia, entre o tempo antigo e o tempo atual, fazendo ressaltar dois
estilos, duas épocas e uma nova realidade produzida pela mudança: "O que
fundaste não tem qualquer semelhança com o que existe hoje. O mundo mudou
enquanto estiveste ausente", diz Elias.
Na disputa de poder, Francisco faz um esforço para
defender que "a companhia nasceu para ser pobre e pobre deve voltar a
ser". Em contrapartida, Elias responde que "a companhia dispõe de
bens, recebe legados, administra e faz render o dinheiro, investe em setores
produtivos". Em vista dessa realidade pergunta a Francisco se acha que é
possível empobrecer por capricho ou vontade." Francisco insiste no retorno
à pobreza, dentro de um conceito evangélico: "Se queres ser perfeito, vai
e vende o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro nos céus.”
Elias, sabedor do poder que tem, leva democraticamente o
debate para o conselho. Em plena reunião, Francisco é enfático:
"Multiplicaram-se os erros. O reto pensar e o reto proceder foram
retorcidos. Chegou portanto a hora de voltarmos ao que fomos". Elias
lembra a Francisco que ele não tem mais autoridade sobre a Ordem. Francisco
pede uma votação secreta. Quatro votos a favor de Elias, dois a favor de
Francisco. Francisco pede sua readmissão na companhia com acesso direto ao
Conselho. Há uma votação e Francisco ganha com o voto de Elias, num total de
quatro a três. Decide não querer receber salário. A essência de sua vida está
em lutar por ganhar essa batalha da pobreza.
Encarregado de receber e preparar os agentes, Francisco
tem um plano: destruir o modelo da companhia. Sua tática será voltada para os
conteúdos doutrinários que legará aos agentes. Ele debate esse plano com Leão e
Junípero, que não o animam. Francisco vai querer colocar o estatuto da Companhia, na mão dos agentes.
Elias discorda que os agentes retomem o discurso dos primeiros tempos e
considera isso como uma manobra de Francisco. Elias leva o caso ao Conselho e
consegue retirar todos os poderes de Francisco que, com o espaço reduzido, tenta
uma última cartada: procurar aliados para a sua cruzada. Vai buscar, o rei dos
pobres e o traz à presença de Elias. Sua intenção é demonstrar que a pobreza
pode vencer. Mas na hora em que Pedro, o rei dos pobres, tem a palavra, é
taxativo: "Como queres tu que os pobres destruam os ricos? Como queres que
os fracos destruam os fortes? Que armas nos dás, Francisco? É um engano supor
que os ricos são poucos. É preciso ser-se pobre, para ver como os ricos são
numerosos. Há dias em que andamos na rua e só vemos ricos”. Francisco pede
aliança para destruir o inimigo comum, o egoísmo e a ambição. Pedro responde:
"Não somos pobres iguais. Tu te tornaste pobre para poderes ganhar o céu e
nós que pobres fomos e pobres continuamos a ser, nem a terra conseguimos
conquistar". "Não me leves a mal, Francisco. Foste pedir a pobres o
que pobres não podem fazer: acabar com os ricos." Francisco se sensibiliza
com essas palavras e converte toda a sua determinação numa resolução que revela a Elias: "Agora vou lutar
contra a pobreza. É a pobreza que deve ser eliminada do mundo. A pobreza não é
santa (Pausa). Tantos séculos para compreender isto. Algum de vós quer vir
comigo?"
E assim termina a alegoria teatral de Saramago.
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