Pra que serve?
(Ruth Rocha)
Pra que serve ler? Pra que serve desenhar? Pra que serve ter filhos? Pra que serve jogar vôlei? Acostumamo-nos a pensar que apenas os pequenos têm questionam-se sobre tudo, algo que nos enerva até, mas que relevante e sinal de saúde mental da criança, que se encanta e se enche de curiosidade sobre a vida e o que ela contém.Mas surpresa! ( e Ruth Rocha foi feliz em perceber e escrever sobre isso, com certeza porque esteve em contato com a juventude quando trabalhou como orientadora educacional em uma escola, bem antes de se dedicar à literatura) Os adolescentes também têm a cabeça cheia de perguntas, só que elas contêm um teor misto de incerteza e desconfiança, já que conscientes de que o pai, a mãe e os adultos de um modo geral não são os heróis infalíveis que pensavam.Para pais e educadores não é fácil lidar com esse questionamento, por várias razões. A primeira já foi posta, a segunda é que eles não as verbalizam ( desconfiança ou inconsciência delas?). Pode ser por isso que, Marina, a protagonista do infantojuvenil em questão, comece a se dar conta desse seu inquietamento quando longe dos pais, num acampamento de férias. Já não é mais menina, está despertando para a vida adulta e se ressente dos pais, que estão se divorciando. Ela se pergunta sobre a perenidade do amor, pois a mãe é quem está disposta a dissolver a relação (como no conto Tchau, de L. Bojunga). No acampamento vivenciou momentos de conversas, em que esses temas vieram à tona. E em casa, não? Ela se distancia dos pais e estreita laços com amigos que vai fazendo no acampamento. E é uma pena que seja assim, que a ampliação dos laços de amizade dos jovens implique em afastamento dos da família. Por que isso ?Acredito que é porque falhamos naquilo que Ruth sabe fazer tão bem: dialogar. Na abertura do livro ela já começa como quem conversa. A maioria dos textos dela têm esse quê de conversa, como quem está sentado a poucos centímetros da gente, porque ela usa sabiamente de palavras e estruturas mais próximos da oralidade. Mesmo o vocabulário de que se vale tem essa característica. Ela começa assim: "Pra que serve uma história? Pra divertir? Pra ensinar? Pra passar mensagem, como quem passa bilhetinho pros namorados? Nada disso, minha gente. UMA HISTÓRIA SERVE PRA SE LER..."Marcas de oralidade: pra, bilhetinhos, pros, minha gente; contribuem para a aproximação entre leitor e narrador. Essas letras garrafais são em defesa da leitura, como algo necessário, mas desvinculado de todas essas obrigações que nos apressamos a atribuir aos que nem bem ingressam na adolescência, justamente o período mais rebelde da vida deles.Além da sensibilidade em saber do que ronda a cabeça dos jovens, de se aproximar dele por meio de uma linguagem que lhe é próxima, e de um bom bate papo, a autora contribui para a reflexão por parte deles dos temas que os inquietam ( ou deveria inquietar), mas tudo de um jeito leve e bem humorado. Essa leveza e esse bom humor, acredito, ela os adquiriu lendo Monteiro Lobato, cuja irreverência, independência e sagacidade com que contempla o mundo o tornaram indispensável mesmo hoje ( só quem leu ao menos uma de suas obras sabe).Marina vai descobrindo e ou construindo respostas para suas questões à medida que vai se afinando com amigos, professores e ideias que a aquietam, ajudam-na a saber quem é. Ela vai construindo uma identidade para si enquanto participa de diversos eventos no acampamento. É um ambiente sadio, há espaço para a criatividade, para a conversa, para o trabalho em grupo, para a brincadeira. Acho que essa é a pista para nós, que desejamos que nossos jovens façam uma transição tranquila. É importante garantir que frequentem ambientes ricos em experiências que desafiem sua capacidade de relacionar-se, de criar, de se expressar. Quando a narrativa termina, do mesmo modo que começou, com Marina a esperar o ônibus, ela já não mais tão insegura diante da vida. Esse estar longe da família, mas num ambiente seguro, acolhedor e rico em experiência contribuiu para o seu preparo para a vida. Essa outra característica de que falo agora aparece em diversos outros livros seus: a metalinguagem, a reflexão sobre o texto dentro do texto. No início, no final e em alguns títulos ela aparece, como algo intrínseco ao ser desperto: o indagar-se sobre tudo, inclusive sobre a linguagem escrita.
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