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O fingidor
(Samir Yazbeck)

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Quantos eus você tem? É paciente, gentil e atrevido com a namorada, sério
e comedido com seu pai mandão, carinhoso e mimado com a mãe? Sim? Então, pelo
que vejo, Fernando Pessoa não foi o único que cultivou vários eus. A diferença
entre ele e nós é na verdade duas: quando essa diversidade de eus ocorre em você
e em mim, chamamos de papéis; quando a mesma é com o poeta português, chamamos
de heterônimos. Por quê? Porque no nosso caso é quase que inconsciente essa
diversidade de comportamentos. Nós nos adaptamos às pessoas e lugares, jogamos
uma espécie de jogo, para evitar conflitos e conseguir o que queremos.

Você sabe quem é você? Sabe distinguir qual é seu verdadeiro eu? É de
pirar, não é? Pois se desde o instante em que acordamos já estamos totalmente
dispersos do nosso íntimo devido às exigências da vida que, ironicamente são
fruto de nossas escolhas...

Já com Fernando, a coisa toda é noutro nível. O fato é que ele criou
outras personas, outros poetas e deu para cada um deles um nome, uma história
de vida, um estilo de escrita. Acha isso fácil? Pois não é. Se já é difícil
encontrar um estilo e manter a qualidade, imagine conseguir essa façanha com
vários. Os filmes de Tin Burton, Pedro Almodóvar, os textos teatrais de Nelson
Rodrigues, as crônicas de Luís Fernando Veríssimo, os contos e romances de
Machado de Assis, as composições de Beethoven, quem os conhece, reconhece à
primeira vista. Todos esses grandes estão atados a seus estilos.

Com Fernando Pessoa isso não acontece. Há qualidade ímpar em cada um dos
seus diferentes estilos (foram cinco heterônimos: Ricardo Reis, Alberto Caeiro,
Álvaro de Campos, Bernardo Soares, Alexander Serch) e, embora ele tenha
falecido em 1935 (nasceu em 1888, em Portugal), seus poemas continuam a mexer
com nosso íntimo, porque há inquietação num, resolução, sabedoria e calma
noutros, há um desgostar das mudanças que a vida dita moderna trouxe... Você em
algum momento não sente o mesmo?

Ler Fernando Pessoa é dar-se a oportunidade de vislumbrar nossas próprias
faces, desejos e até medos.

Entretanto, é possível que você não goste ou não se sinta tocado pelos
poemas dele. Afinal, você vive numa época barulhenta, agitada e por natureza
dispersiva, tal qual um dos heterônimos dele descreveu.

Como se não bastasse, é bem possível que lhe apresentem esse poeta ímpar
de um modo, digamos assim, não muito digno dele: uma nota biográfica não muito
maior que meia página da apostila do cursinho ou do Ensino Médio, a leitura em
voz alta de três poemas dele, feita pela professora, para “apresentar-lhe” os
heterônimos dele. Se você tiver sorte, uma apresentação em powerpoint. Em
seguida lhe pedirão a leitura de uma coletânea de poemas dele (provavelmente
Alberto Caeiro, que é o mais pedido nos vestibulares), não tanto pela fruição,
mas para a realização de uma prova, trabalho escrito ou seminário.

Se isso acontecer, não se deixe matar. Vá até um sebo, veja com um
primo ou outro parente se eles não têm em casa, esquecido na estante um livreto
editado pela Ática e distribuído para os estudantes do 8º ano em 2003, pelo
Programa literatura em minha casa. A capa é vermelha, tem um homem magro e
bigodudo, vestindo uma capa e usando óculos – é Fernando Pessoa – e um texto
escrito em letra cursiva, adivinha de quem? A quarta capa é laranja. Chama-se O
fingidor e foi escrito por Samir Yasbek.

Essa brochura, na verdade uma peça de teatro, é um dos textos mais belos
que já li sobre o poeta português. Fico imaginando a beleza dela quando
encenada. Quem a assistiu foi um privilegiado. A peça ficou em cartaz por cinco
anos e até para Portugal foi. Também ganhou o Prêmio Shell/99 de melhor autor.
Samir deve teve mergulhado em tudo que foi escrito e se refere a Fernando
Pessoa, conseguindo captar como poucos boa dose da intensidade, inteligência e
lirismo desse grande escritor. Aqui, transcrevo o poema que dá nome à peça:



Isto



Dizem que finjo ou minto

Tudo o que escrevo. Não.

Eu simplesmente sinto

Com a imaginação.

Não uso o coração.



Na peça, O Poeta está doente, desempregado, desiludido e precisando de
dinheiro. Vai trabalhar como datilógrafo na casa de um crítico literário
especializado justamente na obra dele. Adota outro nome e outra aparência para
não ser reconhecido. Sua irmã não aprova a farsa.

Na casa do crítico, conhece Amália e começam uma amizade que só não toma
outros rumos porque...

Fernando escreve algumas quadras e mostra-as ao crítico que, ao lê-las,
não dá valor algum a elas. O crítico tem pressa no datilografar dos seus
textos, pois está se aproximando a conferência que dará sobre a obra do nosso amigo.
No decorrer do texto e da peça a expectativa quanto a se Fernando aparecerá na
conferência vai se intensificando. Ele se questiona quanto à competência do
crítico, que não o reconhece em suas quadras, tem que lidar com o sentimento
que vai surgindo nele em relação à Amália, acalmar a irmã preocupada com seu
estado de espírito e de saúde, lidar com seus heterônimos. Muito para um homem
só. Mas não para Fernando Pessoa.

Não deixe de ler.



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