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A Casa das Almas
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O
viajante chegou até o pequeno vilarejo de Tampadas caminhando. Carregava apenas
uma mochila e uma máquina fotográfica pendurada no pescoço. Entrou no único bar
existente, bebeu um refrigerante e puxou conversa com algumas pessoas que
estavam por ali, fazendo perguntas sobre o vilarejo. Contou que estava de
férias fazendo um passeio pelo Brasil, visitando as pequenas cidades e
vilarejos do interior, tirando fotos e escrevendo um diário.

Após
horas de conversa, pagou a bebida e saiu. Já na saída do vilarejo, viu um
estreito caminho de terra, coberto pelo mato que crescia e quase escondia sua
entrada. O estranho resolveu andar por ali, curioso para saber aonde iria dar.
Com dificuldade, caminhou por cerca de dez minutos, até sair em um campo
aberto, cercado por algumas árvores que pareciam tão velhas quanto a própria
humanidade.

Observando
ao redor, pôde perceber, alguns metros à frente, uma alta pilastra de pedra que
servia de pedestal a um anjo de mármore que um dia fora branco, mas agora
estava tomado pelas marcas da chuva e do
tempo. Havia algo na expressão do anjo que o deixou com um sentimento
angustiante de solidão. Teve a impressão
de que o anjo começou a chorar quando olhou para ele.

Mais
adiante avistou uma igreja, de aspecto sombrio e de abandono. Suas paredes, de
pedra, mostravam o quanto o tempo pode ser cruel; a entrada principal consistia
de uma porta dupla de madeira pintada de azul, já descascada. Estendendo-se
acima do telhado havia uma torre, onde se podia ver o grande sino de bronze
totalmente imóvel, como se estivesse em repouso eterno. Percebeu que a porta
principal estava fechada e ao forçá-la um pouco, se abriu, dando passagem para
o salão principal.

A
única iluminação dentro da igreja era proveniente dos raios de sol que passavam
pelas pequenas janelas – sem vidros – nas paredes laterais. Os bancos de
madeira já estavam quase ou totalmente consumidos pelos cupins. Encantado com a
beleza sinistra do lugar, o estranho tirou diversas fotos, e dirigiu-se ao que
parecia ser a sacristia, no final de um dos corredores.

Ao
passar pela porta, sentiu um misto de curiosidade e espanto: a sala, com cerca
de quinze metros quadrados, tinha as paredes
cobertas por fotografias antigas, todas em tom sépia, em belas molduras
artesanais e embora aparentassem estar ali há muito tempo, mantinham um bom
estado de conservação. Do chão ao teto, tudo estava coberto por fotografias.
Eram retratos de famílias.

Por
vários minutos o estranho ficou ali, olhando as fotos, admirando a estranha
tristeza implícita no rosto das pessoas – que, curiosamente, não sorriam nas
fotos.

Depois
de olhar várias fotografias, acabou parando em uma que lhe chamou a atenção. Nela,
uma família de nove pessoas posava de forma quase mecânica. Como que a
estudando, o estranho ficou ali, analisando cada detalhe existente na imagem.
Com os olhos cheios d’água, proferiu um palavrão ao mesmo tempo em que saltava
para trás, quando percebeu que uma das crianças da foto começou a chorar. Ele
coçou os olhos, achando estar vendo coisas, e sacudiu a cabeça, mas descobriu
que não só a criança chorava como as outras pessoas da imagem gritavam em
extrema agonia, com a dor estampada em seus rostos; pareciam desesperadas para
sair da foto.

Atordoado
pela visão olhou ao redor e percebeu que em todas as fotos a cena se repetia:
as pessoas gritavam, choravam, e tentavam desesperadamente sair de suas
pequenas prisões. O som de choro de crianças e adultos era como uma faca que
atravessava seu cérebro. Ajoelhou-se tapando o máximo que pôde os ouvidos e
fechou os olhos. Chorou como se estivesse também preso em uma moldura.

Algum
tempo depois levantou-se, mas ainda sentia o desespero das pessoas ao seu
redor. Eram pessoas, não eram? Ou eram apenas suas almas aprisionadas para a
eternidade em uma foto?

Não
suportando mais a agonia de estar confinado naquela pequena sala, correu,
dirigindo-se à porta pela qual entrara, mas só teve tempo de virar-se para
perceber que não havia qualquer porta ali; todas as paredes estavam cobertas de
fotografias, e não havia portas ou janelas. Gritando, atirou-se desesperado
contra as paredes, tentando, inutilmente, encontrar uma forma de sair. Com
bruscos movimentos, arremessou as fotos para longe das paredes, mas, a cada moldura
que caía, uma nova surgia em seu lugar, e mais e mais pessoas gritando,
chorando, em uma sinfonia desafinada.

Após
muito gritar e chorar viu que em uma das paredes havia uma moldura com uma foto
em que não havia ninguém, apenas um quarto. Analisou mais de perto, ao mesmo
tempo em que tentava entender o que se passava naquele lugar. Percebeu no
pequeno cômodo dentro daquela foto alguma familiaridade, e, novamente, entrou
em pânico: aquele havia sido o seu quarto quando criança. A mesma cama, o mesmo
tapete em forma de palhaço, a mesma janela próxima à cama. Naquele instante, o
pânico foi tomado por uma saudade; saudade de tempos que nunca mais voltariam,
e entendeu que o objetivo de qualquer fotografia era congelar um determinado
momento no tempo; um momento que ficará ali para sempre.

Fechou
os olhos e a sacristia foi tomada por um imenso clarão vermelho. Quando apagou,
o quarto havia voltado ao seu estado anterior, a porta encontrava-se no mesmo
lugar que estava quando ele a cruzou. O estranho, no entanto, não estava mais
ali; agora, ele fazia parte daquele imenso mural nostálgico e estava de volta
ao quarto que fora seu quando tinha 3 anos de idade. Passaria toda a eternidade
preso àquele lugar, e talvez um dia implorasse para sair da mesma forma que as
outras pessoas que faziam parte daquele lugar.



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