Totalmente Kubrick
()
Sinopse. Comédia dramática inspirada na vida do golpista que,
durante anos, enganou artistas e membros da alta sociedade londrina fazendo-se
passar pelo diretor de cinema Stanley Kubrick. Londres, década de 1990. Segundo
o próprio, o homossexual Alan Conway é um fracassado levando uma vida medíocre.
Por isso, envolve-se com jovens artistas que conhece na noite dizendo ser o
cineasta Stanley Kubrick e, demonstrando entusiasmo com o potencial de suas
vítimas, promete-lhes participação em seu próximo projeto. Com isso, obtém de
bebidas gratuitas a vultosos empréstimos, desaparecendo sempre antes de ser descoberto.
Um jornalista está investigando a ação de Conway, mas o silêncio de suas
vítimas (ninguém quer admitir que foi passado para trás com tanta facilidade) atrapalha
a ação da polícia. Enquanto isso, o falso Kubrick conseguiu convencer Lee
Pratt, artista local, de que o seu lugar é nos Estados Unidos, e de que usaria
seus “contatos” para promovê-lo. Assim, Pratt o leva a Las Vegas, hospedando-o
num luxuoso hotel.
Comentário. O fascínio das pessoas por nome, status, fama e
aparência costuma cegar. Não há novidade nisso, e é graças a esta deformação na
personalidade do indivíduo, ânsia quase desesperada em destacar-se, de algum
modo, no meio do anonimato (um quase sinônimo de fracasso), que golpistas como
Alan Conway encontram campo tão vasto para atuar. Vê-se isto a todo instante,
de pequenas editoras que prometem publicar seus autores gratuitamente a
programas de TV explorando o mau gosto. Ser alguém no meio da multidão, ser
assunto entre seus pares, ter o nome reconhecido já se tornou moeda para boa
parcela de uma sociedade individualista, carente, paranóica, incapaz de ceder o
lugar na condução para um idoso mas pronta para iniciar campanhas de defesa de
alguma coisa nas redes sociais. As ações só valem quando há uma plateia para
reconhecer e aplaudir o seu autor.
Para Conway, a incapacidade de
sair do anonimato por si próprio o levou a outro caminho, para ele, mais fácil.
Já que não poderia ser alguém usando a própria identidade, seria alguém com a
identidade de outra pessoa. Neste caso, não poderia ter feito melhor escolha. Além
de genial, Stanley Kubrick era considerado excêntrico e recluso, avesso a
entrevistas e ao acesso da mídia à sua vida particular. No filme, Conway
consegue enganar até um casal de críticos num restaurante que, depois do
encontro, correm para pesquisar uma foto de Kubrick e confirmar se tinham
conversado mesmo com ele. Se críticos caíram na farsa de Conway, o que não
dizer de jovens atores, músicos ou figurinistas, deslumbrados com a
possibilidade de saírem do mundinho alternativo onde viviam e entrar para o
ramo das celebridades, aparecendo, mesmo que numa participação minúscula (como
ele promete ao motorista de táxi), num “próximo projeto” do grande cineasta.
Havia os que não se deixavam
enganar, como um dos jovens abordados por Conway, que conseguiu fazer o
golpista cair na própria mentira, ao alegar que Julgamento em Nuremberg foi seu filme mais difícil (na verdade,
Kubrick jamais dirigiu este filme). A outros, como o farmacêutico e sua esposa,
Conway alegava que esta era a identidade que ele, Kubrick, adotava quando
queria fugir da badalação e caminhar entre as pessoas comuns sem ser conhecido.
Seria assim com outros artistas, com enfermeiros, com psiquiatras, sempre
obtendo favores financeiros ou sexuais em troca da simples afirmação de um nome
(e, claro da boa conversa que todo golpista tem), até o voo maior que o levaria
até Las Vegas e onde passaria um de seus maiores sufocos.
Como filme, embora curioso e
atraente, Totalmente Kubrick (Color Me Kubrick – A True…ish Story, Reino
Unido/França, 2005) deve encontrar mais admiradores entre aqueles que conhecem
a obra de Stanley Kubrick, referenciada a todo instante durante a narrativa. A
trilha sonora reprisa momentos clássicos da filmografia do diretor, em cenas
como a de Conway saindo, maltrapilho, para botar o lixo na rua sob o tema de 2001: Uma Odisséia no Espaço. Ouve-se
ainda a melodia de Laranja Mecânica e
a deliciosa Midnight, the stars and you,
tema do baile de O Iluminado. O
roteiro também traz comentários divertidos como a observação de um personagem
quanto ao conteúdo gay do já citado 2001
(o computador Hal 9000, na verdade, teria matado um dos astronautas apenas para
“ficar com o outro bofe”) ou à referência à “Srta. Kirk Douglas”, de Spartacus. Detalhes que se destacam na direção
sensível e discreta de Brian W. Cook (que, como diretor de segunda unidade, já
havia trabalhado com Kubrick em
O Iluminado e Barry
Lyndon e, como ator, em De
Olhos Bem Fechados).
Destaque mesmo, obviamente, é a
atuação de seu protagonista. Dependendo da vítima, Conway dava a seu Kubrick
trejeitos mais suaves ou escancaradamente excêntricos. Era uma pessoa para o
enfermeiro gay, outra para a banda de metaleiros. As diferentes nuances são
exploradas com brilho por John Malkovich, ele mesmo citado por Conway como ator
em um de seus “futuros projetos” (uma ficção científica chamada 3001: Uma Odisséia no Espaço,
co-protagonizada por Elisabeth Taylor). O figurino extravagante, os diálogos
bem elaborados e sequências como a que Conway implora, de joelhos e fingindo
chorar, o perdão de seu amante, confirmam o talento, ainda não reconhecido como
deveria, deste ator.
Resumos Relacionados
- Hal 9000 - O Computador De 2001, Uma Odisséia No Espaço
- O Filme " De Olhos Bem Fechados"
- Folha Explica: 2001, Uma Odisséia No Espaço
- O Iluminado
- Cinema
|
|