Mamonas Assassinas... Blá, Blá, Blá...
(Eduardo Bueno)
Fim de tarde, flanando pelo centro da cidade após um dia de trabalho, decide entrar num barzinho para uma happy hour. Ao buscar uma mesa é invadido pelo instrumental do rock energético, harmônico e bem acabado, que detona as potentes caixas de som — sem identificar a banda. Quando entra o vocalista cantando, uma surpresa: é Mamonas Assassinas. A partir de então revê o seu conceito sobre a banda, passando a prestar mais atenção à sonoridade e ao conteúdo nonsense das suas letras, permeado de uma crítica social corrosiva. Cai o pano. Essa cena breve, mas verídica, é bastante ilustrativa de quanto a recepção de uma obra, limitada pelo 'círculo de giz' de um pretenso bom gosto, pode nublar a nossa percepção com juízos preconcebidos. Foi o caso também da grande mídia no lançamento do disco, em manchetes depreciativas como "Sucesso Boca Suja". E do guitarrista Marcelo Frommer, dos Titãs: "A princípio eu achei de mau gosto, depois passei a ver como um pastelão saudável". Anos mais tarde a banda regravaria Pelados em Santos. O jornalista Eduardo Bueno, o Peninha, autor desta biografia, reconheceu não gostar do grupo mesmo sem conhecê-lo, por arrogância, como boa parte da imprensa brasileira, tendo depois virado fã. Neste livro de estreia da sua bem sucedida carreira de repórter da história do Brasil, escrito no calor da hora, Peninha faz uma prospecção das origens socioeconômicas e familiares de cada um dos membros do grupo, descendentes de migrantes, nordestinos, do interior paulista e do Japão —, numa linguagem saborosa, bem ilustrado, cada capítulo contendo um subtítulo jocoso, à maneira da literatura de cordel. Saídos da periferia de Guarulhos, de onde nunca se mudaram, se projetam como um dos maiores fenômenos da cena musical brasileira. Estando aí, talvez, a raiz desse preconceito. Essa ascensão não foi imediata. Formando a banda Utopia batalharam seis anos tocando em barzinhos, quermesses, feiras, comícios, e no estacionamento do Parque CECAP — conjunto habitacional com 77 prédios, 4.620 apartamentos e 20.000 habitantes, às margens da Via Dutra — onde tinham um público cativo, com dois fã-clubes oficiais. Juntando trocados e filando horário no estúdio gravam um disco independente, que não vende mais de cem cópias. Além do baixo poder aquisitivo desse público, o som da banda carregava um anacronismo: um estilo "leve desespero", na linha da Legião Urbana, rock do início dos oitenta em plena década de noventa. Em contradição com o espírito irreverente de seus integrantes, que praticavam todas as micagens, paródias e sátiras musicais pelas quais ficaram conhecidos, nos ensaios e intervalos de shows. Num desses momentos — assistidos por um produtor — deram a guinada, mostrando que tinham potencial pra se reinventar caso a sua carreira tivesse continuidade: esse estilo picaresco passou a ser a essência do trabalho, e a mudança de nome se fez necessária. Melhor lapidados, assinam seu primeiro contrato com a EMI; seu primeiro disco foi mixado em Los Angeles, façanha inédita para uma banda iniciante. A mistura autêntica e espontânea de rock com forró, fado, samba e sertanejo, explode nas rádios — sem jabá e sem um investimento maior em divulgação — dando partida a então fulminante e avassaladora jornada dos Mamonas Assassinas, cujo fim trágico se daria apenas seis meses depois. Sem mencionar o acidente, o autor se recusa à exploração sensacionalista que marcou quase tudo que foi publicado sobre o grupo. Afora esse registro biográfico, há uma omissão da imprensa cultural numa análise mais acurada desse fenômeno da música pop que literalmente varreu os céus do Brasil, na época. Entre tantos feitos inéditos, foi a banda que mais vendeu um disco de estreia no mundo (mais de 2,8 milhões), só sendo superados anos depois pelo Oasis. O que lhes rendeu matéria de capa da Revista Billboard americana, bíblia do pop internacional — e trouxe o presidente mundial da EMI ao Brasil pra conhecê-los pessoalmente. São detentores do recorde de audiência do IBOPE na TV, suas aparições provocavam verdadeiros estouros nos índices. A Rede Globo tentou contratá-los com exclusividade, sem sucesso. Faziam mais de sete shows por semana, às vezes três no mesmo dia, só viabilizados pelos deslocamentos em jatinhos, ficando expostos ao risco. O sucesso em Portugal, para onde viajariam no dia seguinte ao acidente, renovou o interesse do público português pelo pop brasileiro. Julgamentos apressados mostram desconhecimento de que a sua música foi incorporada a produtos da cultura letrada. Como a trilha sonora de As Bacantes, tragédia grega montada por Zé Celso Martinez, do grupo Oficina; de A Alma Boa de Setsuan, de Brecht; de A Vida Como Ela É... no Cordel, e tantas outras. Foram reencarnados pela banda Karnak na comédia musical Acordes Celestiais; e a letra de Chópis Centis teria dado o mote para o texto de Andaime, vencedora do Prêmio Funarte de Dramaturgia. Descontados os excessos na performance, os Mamonas poderiam ser perfilhados na linha dos grupos da vanguarda paulista Premeditando o Breque e Língua de Trapo. Além de Raul Seixas e bandas de rock como Camisa de Vênus, Inimigos do Rei, Blitz e Ultraje à Rigor. Talento em estado bruto emergindo de um Brasil profundo, macunaímicos e antropofágicos, fazem uma crítica sarcástica e bem-humorada ao consumismo, ao preconceito e à publicidade. Recusaram todas as propostas milionárias para estrelar comerciais na televisão, deixando de arrecadar perto de um milhão de reais: "Não queremos ser garotos-propaganda", definiu o baterista Sérgio Reoli.
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