Um método perigoso
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O perigo do método está na impossibilidade de manejar a transferência de afetos da paciente, pelo então psicanalista Carl Gustav Jung. Sabina Spielrein não foi a primeira nem a última paciente a tornar-se amante do dissidente da teoria freudiana - em razão de discordâncias e de ter criado a sua própria e também vasta teoria sobre a psiquê humana.
À época em que as histéricas graves passavam temporadas em hospitais psiquiátricos, Sabina foi tratada pelo jovem médico Jung. E a teoria sobre a transferência e a contratransferência ainda não havia sido formulada por Sigmund Freud. Então, o que fazer diante do amor de transferência que até hoje permeia as relações entre analisandos e psicanalistas?
No amor de transferência de Sabina a Jung, o analista contratransferiu, respondeu, atendendo à demanda de amor da paciente, tal como ela conheceu na infância.
Conforme os ensinamentos de Freud, ante o amor de transferência do paciente, o analista não deve ser neutro e, ao mesmo tempo em que não se mostra indiferente também não incentiva o investimento libidinal do paciente em seu analista. A forma de conseguir esta mediação, com o menor dano possível ao paciente é (o analista) manter-se como analista.
Passar ao ato e realizar a paixão, ainda que muito mais baseada nas fantasias inconscientes do analisando do que em fatos reais, determina o rompimento do processo analítico, não necessariamente o seu fim. É um princípio ético.
Portanto, “Um método perigoso” aborda a psicanálise apenas do ponto de vista da passagem ao ato (sexual). Ignora os questionamentos à subjetividade dos pacientes, que podem ou não ocorrer a partir de questões trazidas referentes puramente a aspectos sexuais de suas vidas.
Distorção
Muito mais do que “Janela da alma” (ver texto sobre o filme, na lista de textos desta autora, neste site), “Um método perigoso” compara a técnica freudiana à junguiana. Além disso, esta última versão cinematográfica sobre o mesmo caso apresenta um Freud hiperativo em mundanidades, quase histérico, caricato, apesar do ambiente íntimo (sua casa) de colecionador, o que sugere um viés obsessivo do pai da psicanálise.
Aqui não se discutem preferências sobre psicoterapias, seja a psicanálise, fundada por Freud, ou a psicologia analítica, por Jung. Se o roteirista Christopher Hampton tivesse estudado mais sobre o assunto, pouparia o grande público de tantas informações distorcidas e bobagens. Afinal, o Freud de Hampton jamais teria construído uma obra tão extensa e densa.
Aliás, o nome da peça que inspirou o roteiro do filme é “The Talking cure”, e o equívoco já começa aí, uma vez que a análise de Sabina não parece ter sido finalizada por Jung. Ao contrário, foi interrompida pela passagem ao ato do psicanalista.
Após o desenvolvimento teórico da psicanálise, poder-se-ia dizer que já há muito tempo se um psicanalista seduzisse suas pacientes, estaria sendo antiético, correndo o risco inclusive de acabar com sua reputação e não poder mais clinicar. Porém, à época em que o caso é descrito, realmente não se sabia o que fazer com a transferência.
Intuição junguiana
Jung talvez intuísse isto, ao perceber que a continuação da psicanálise de sua paciente seria impossível, com ele no lugar de amante. Por quê? Por saber do gozo de Sabina ao ser espancada pelo pai, na infância, Jung fez a vontade da amante a espancando nos encontros sexuais. Colocou-se no lugar do pai que abusa da filha - fantasia infantil de Sabina, talvez ponto nevrálgico da sua neurose de histeria.
“(Michael) Balint insiste, mais freudiano que Laplanche e Ferenczi, na existência de uma sexualidade infantil que é evocada e violentada pela sexualidade recalcada dos pais, criando-se uma situação angustiante: o objeto (o outro: o pai, a mãe, o cuidador) não pode, nestas condições, exercer função plena de continência, pois, ao contrário, torna-se ele mesmo agente de excitação sexual e produtor de ansiedade.” (Balint em Sete Lições, por Luís Cláudio Figueiredo; p.20).
Por hipótese, Sabina conheceu a “continência” paterna por meio do espancamento dentro de um quarto fechado. E é ao evocar esta e outras cenas perturbadoras, em que a linguagem da ternura é marcada pela passagem ao ato (tomado como sexual) do adulto cuidador sobre a criança, que Sabina agudiza sua sintomatologia histérica.
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