Uma Gota de Sangue - Uma História do Pensamento Racial.
(Demétrio Magnoli)
Durante as eleições americanas de 2008, Jesse Jackson, pastor batista e ativista político americano, criticou Barack Obama por não enfatizar suficientemente o tema da raça em seus discursos e, no intervalo de uma entrevista, imaginando que os microfones estavam desligados, confessou seu desejo de "capar" o então candidato democrata a presidência.O nome do livro se deve a leis americanas de meados do século XX para determinar quem era negro ou não. Segundo essas leis, deveria ser considerado negro todo aquele que tivesse algum antepassado negro, ou seja, pela menos uma gota de sangue de origem negra.A divisão da humanidade em raças é uma prática existente desde os séculos XVII e XVIII, com destaque para as análises craniométricas do médico alemão Johann Friedrich Blumenbach. No entanto, foi apenas no século XIX que o assunto “raça” ganhou realmente destaque, coincidindo, não fortuitamente, com a expansão colonial européia e com o avanço dos movimentos abolicionistas. Os primeiros a endossar teorias raciais foram os filósofos. É o caso do diplomata francês Arthur de Gobineau, com seu “Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas”, publicado entre 1853 e 1855. Para Gobineau, a humanidade estava dividida entre brancos, amarelos e negros, sendo que o progresso histórico dependeria das ações dos primeiros. Mas foram cientistas quem, de fato, deram consistência e chancela a tais teorias. Com o pensamento evolucionista, nasceu o “racismo científico”, que utilizava métodos fraudulentos para comprovar a supremacia de um homem sobre outro, de uma nação sobre outra, baseada muitas das vezes em medidas de crânios e cérebros humanos.Magnoli lembra, porém, que há bastante tempo sabemos que não é correto falar em “raças” para classificar e ordenar os seres humanos. As diferenças entre negros e brancos, por exemplo, não passam de características físicas superficiais, representando uma fração ínfima do código genético humano. A cor da pele, que representa as teorias das raças, é uma mera adaptação evolutiva a diferentes níveis de radiação ultravioleta, expressa em menos de dez dos cerca de 25 mil genes do genoma humana. A população mundial é diversa, mestiça, fruto de milhares de anos de mobilidade. Um dos primeiros a contestar a fabricação das raças foi Franz Boas, ainda no início do século XX. Boas mostrou que as culturas humanas são dinâmicas, fluidas, abertas, em contínua reelaboração, e não presentes em códigos genéticos.No entanto, o autor explica que, apesar do desmentido, a raça voltou a triunfar no século XX, como é o caso do nazismo e também do Apartheid Sul-Africano. E é neste ponto que se encontra o eixo central da tese do autor. Magnoli é um crítico ferrenho do “multiculturalismo”, paradigma ideológico famoso nos dias hoje, anunciado por organismos internacionais, empresas e bastante celebrado por diversas vertentes pedagógicas. O autor argumenta: Do ponto de vista teórico, o multiculturalismo assenta-se sobre um primeiro pressuposto que não é dramaticamente distinto do artigo de fé do ‘racismo científico’. Esse pressuposto pode ser expresso como a noção de que a humanidade se divide em ‘famílias’ discretas e bem definidas, denominadas etnias. O ‘racismo científico’ fazia as suas ‘famílias’ – as ‘raças’ – derivarem da natureza. O multiculturalismo faz as etnias derivarem da cultura. O segundo pressuposto do multiculturalismo é que a cultura corresponde a um atributo essencial, imanente e ancestral de cada grupo étnico. Essa naturalização da cultura evidencia que o conceito de etnia, na narrativa multiculturalista, ocupa um nicho metodológico paralelo àquele do conceito de raça na narrativa do ‘racismo científico’.Magnoli expõe o início do multiculturalismo, nos Estados Unidos, com a distorção das lutas dos direitos civis americanos, entre os anos 1950 e 1960, e a sua disseminação, via investimentos pesados da Fundação Ford, para diversos países, dentre os quais o Brasil, por meio de movimentos sociais que apóiam e reivindicam ações afirmativas, como a reserva de vagas para negros em universidades. Para o autor, o risco dessas políticas raciais é criar o mito de nações divididas em raças, países dentro de países, além de proporcionar ideologias que imaginam a cultura como algo hermético, produzindo identidades para consumo e colaborando para a cooptação política de lideranças nos mais diversos espaços.Nos Estados Unidos, a denominação “afro-americano” é um exemplo da segregação criada pelo multiculturalismo. Tal termo dificulta imaginar os negros como simplesmente americanos, tal como qualquer branco. Afinal de contas, ninguém denomina um “branco americano” de “euro-americano”.
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