O Livro do Caminho e da Sabedoria
(Lao-Tsé)
Se a si, estimado leitor, lhe confidenciasse que está perante o
livro mais traduzido de sempre, logo a seguir à Bíblia, por certo que não
acreditaria em tal dizer. O que detém assim de tão singular e cativante esta
obra cujo autor é um completo desconhecido à luz de muitos olhares?
Lao-Tsé, várias vezes conotado de Lao-Tzu, o “velho mestre”,
nasceu no séc. VI a.C. e foi responsável pelos arquivos históricos chineses e
conselheiro na corte imperial de Chou – se por veras tomarmos as principais
referências sobre o mesmo. Pois, apesar de tudo, inúmeras são as lendas que em
torno de si o passar dos milénios multiplicou, desde o peculiar facto de ter
nascido já velho, capaz de falar e andar (após uma gestação – imagine-se – de
70 anos (!)), até ao simples facto de nunca ter existido. Aliás, ainda há quem
considere Lao-Tsé como um produto do imaginário da época, uma sábia figura
criada para o conforto de muitos. Contudo, foi contemporâneo de um outro sábio
chinês, cujo trabalho chegou até nós de uma forma bem mais difusa e
consolidada: Confúcio. Rezam as crónicas da época que os dois terão mesmo se
encontrado em vida, levando este último, deslumbrado e ao mesmo tempo perplexo
pelo contacto, a imortalizar as seguintes palavras: «Lao-Tsé era um dragão no
mundo dos homens, porque voava pelos céus, levado pelo vento e pelas nuvens».
Lendas e divinizações à parte, a verdade é que a presente obra
chegou até nós graças à insistência de um dos discípulos de Lao-Tsé. Conta a história
que o “velho mestre”, um dia, esbarrou na intransigência de um guarda
fronteiriço (o referido discípulo). Aí, foi-lhe imposta uma escolha: ou
escreveria um livro onde registasse todo os seus ensinamentos ou o guarda
negar-lhe-ia a passagem. Tendo um íntimo de desejo de partir na «direcção do
sol poente», Lao-Tsé anuiu ao pedido. E assim, por tão pouco, deixou de se
tornar na terceira personalidade da história da humanidade a não deixar obra
escrita durante sua vida, seguindo aquilo que seria o futuro exemplo de
Sócrates e de Jesus Cristo. Pois Lao-Tsé acreditava piamente que o verdadeiro
caminho não se poderia escrever, transmitir, tampouco pensar – apenas se
sentiria. E essa revelação é interna e pessoal. Talvez por isso, comece o livro
por dizer que «o Tao a que se dá um nome / Não é o Tao eterno. / O não-nome é o
seu verdadeiro nome». Ainda assim, por todo o seu saber, visão e profundidade,
teria de deixar para trás o legado do seu pensamento. Durante três noites
seguidas escreveu o “Tao Te Ching”, confiou-o ao discípulo e partiu – para não
mais ser visto.
O livro é, no fundo, um conjunto de 81 poemas – algo que até
agora nunca havia trazido até si, leitor. Mas não o julgue inacessível ou
meramente lírico, seguindo o banal exemplo do seu género; antes o portador de
uma filosofia única e profunda, capaz de tocar bem fundo e de transmutar a Alma
humana. Pleno de mistério, beleza metafórica e parabolizado dizer, é um dos
fundamentos do pensar taoista (“tao” significa “caminho”, em mandarim), guiando
o leitor por caminhos tão desconhecidos e enigmáticos quanto os estados do
“não-ser” e do “não-saber”. Assim, compreende-se que seja bem mais do que um
simples livro – mas um conjunto de valiosos ensinamentos, uma maturada e
elevada visão que, resistindo ao esquecimento do tempo, nos é ofertada de forma
algo contraditória e nem sempre clara, instigando a sempre necessária meditação
para consolidar conhecimento. Mas, se me permite o conselho, não o leia através
dos olhos da razão; antes com os da Alma. Pois algo assim somente vibra e faz
repercutir os seus inestimáveis efeitos nos recantos mais íntimos da essência
humana.
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