Canções do Segundo Andar
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Sinopse. Comédia dramática surrealista. São tempos difíceis.
Enquanto um homem, demitido após 30 anos de serviço numa empresa, agarra-se
chorando às pernas de seu chefe, um velho mágico falha durante um número e
quase serra ao meio um membro da plateia. Enquanto uma passeata de executivos
cometendo autoflagelação no meio da rua provoca um engarrafamento-monstro, uma
grande cerimônia é realizada para atirar uma menina de um precipício. No meio
disto tudo está Kalle, atormentado pelo incêndio que ele mesmo provocou em sua
empresa, visando os ganhos com o seguro. Com um filho taxista e outro internado
num sanatório, Kalle vaga perdido entre novas oportunidades de negócio, como a
venda de crucifixos aproveitando a virada do milênio, e a existência de
fantasmas chorosos que passam a acompanhá-lo.
Comentário. Canções do
Segundo Andar (Sånger Från Andra
Våningen, Suécia/Noruega/Dinamarca, 2000), de Roy Andersson, é filme em que
conteúdo e forma estão estritamente vinculados. Obra fiel ao surrealismo (que,
ao contrário do que muita gente pensa, não é só maluquice sem sentido, mas também
meio de crítica social através de símbolos), apresenta-se em esquetes quase
independentes, mas que sempre invadem, de uma forma ou de outra, o esquete
seguinte. Comenta, assim, o mundo contemporâneo, com a supremacia do mercado e
das aparências passando por cima de quaisquer outras necessidades, psicológicas
ou espirituais, do indivíduo.
Cada esquete é exibido sem cortes
e sem closes, teatralmente, com cores frias, valorizando sempre a perspectiva
dos cenários (alguns enormes ou de grande profundidade, que leva a imaginar
como não devem ser bons de se ver na tela grande do cinema) e com a câmera
parada. Em alguns instantes, a perspectiva do ponto central e os silêncios lembram
a estética de Stanley Kubrick, mas o diretor/roteirista/editor Andersson segue
por outro caminho. Os cenários ricos em informações, seja nos ângulos que puxam
o olhar até o infinito, seja nos elementos (humanos ou não) agindo em paralelo
com a cena principal, são surpreendentes e intrigantes. Os diálogos, ora
banais, ora profundos, trazem textos como o do padre, respondendo às
lamentações de Kelle: “À beira da
loucura... e quem não está? Estou tentando vender a casa há anos”. Ou do
próprio Kelle: “Não é fácil ser humano”. Ou
de um homem, após a cerimônia da menina no precipício: “Sacrificamos o florescer da juventude. Que mais podemos fazer? Nada.”
Mas, como diz um executivo
tentando amenizar o caos durante uma reunião de diretoria, “é preciso manter a calma”. O filme segue o trecho do poema do
peruano César Vallejo, que diz que “Amado
seja aquele que se senta”. Recitado pela primeira vez – e retomado em
alguns momentos – no hospital onde está internado o filho de Kalle, que
enlouqueceu por escrever poesia, refere-se à necessidade de sentar e refletir, (e,
imagino, sem a conotação sexual). Coisa que Kalle não faz, visto que todas as
suas visitas ao filho culminam com ele berrando e sendo retirado à força do
local. A poesia, como a reflexão, como a sensibilidade, ficou para trás nos
novos tempos. Sem espaço. Sem utilidade.
Esta decadência do ser humano é
estampada ainda nas marcações rigorosas dos atores e na maquiagem que dá aos
protagonistas uma palidez cadavérica, além de remeter, pela expressividade das
fisionomias e pelo artificialismo teatral, ao universo de outro diretor genial,
o italiano Federico Fellini. Sim, o filme tem boas referências. E, sim, é muito
estranho. Arrastado em alguns momentos, mas terrivelmente criativo na maioria, é
surpreendente no todo.
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