Nietzsche
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Nietzsche constatara a morte de Deus, ao verificar que seu tempo, ainda que loquaz sobre
Deus, já não poderia se fundamentar mais em algo absoluto. Partimos da
provocação que essa afirmação suscita, para também nos perguntar se há uma
possibilidade, em Nietzsche, de se falar da “morte do Estado”.
Para Nietzsche, a sociedade cria valores e ídolos e, após
criá-los, adora-os, adotando-os como tabu, como verdade, como algo necessário e
sobre cuja existência é vedado questionar. Situação similar
à existência de Deus, acontece com o Estado: o Estado, tão presente na
linguagem e no discurso das pessoas, terá também, em um momento, de ser
colocado em xeque: é assim tão fundamental?
Para alguns,
incluindo o próprio Nietzsche, a vida sem Deus fora não somente possível, mas
desejável. O velho conceito [deus] mostrara-se estropiado e deveras
prescindível. E quanto ao Estado, será também o “Deus” de nosso tempo, tão
presente em nosso discurso, mas dispensável em nossa práxis?
Nietzsche propugnou que o homem
tomasse o seu destino em suas mãos, esquecendo o velho deus:
É quase que condição sine qua non para a existência do
super-homem sua condição de nascer para além dos limites do Estado: somente onde o Estado termina se pode
ver o arco-íris e as pontes para o super-homem.
Nietzsche
vislumbra uma nova ordem a ser implantada, futuramente, na história da
humanidade. O que o deixa convicto disso é o fato de que tantas outras ordens
anteriores também já tiveram sua ascensão, auge e decadência: “A nossa ordem
social dissolver-se-á lentamente como o fizeram todas as ordens anteriores
(...)”
Nietzsche é um dos pioneiros
a prever a privatização do Estado, na forma da “supressão entre privado e público”. O filósofo antevê a paulatina saída do Estado do cenário
público, embora não estabeleça, sobre isso, nenhum juízo de valor, atendo-se a
vaticinar ou, no máximo, constatar tal fato.
Em
nossa exegese, preocupamo-nos em resgatar a recusa que Nietzsche tem de aceitar
essa transição do público para o privado, pelo menos em alguns setores da
sociais, estabelecendo e recomendando princípios reguladores da economia:
“(...) impeça-se o enriquecimento sem
esforço e súbito; tirem-se todos os ramos do transporte e comércio que
favorecem a acumulação de grandes fortunas, portanto, em especial o comércio de
dinheiro, das mãos de pessoas privadas e sociedades privadas – e considere-se
tanto o possuidor excessivo como o possuidor de nada como seres perigosos para a comunidade”.
Em
Humano,
demasiado humano, Nietzsche reflete sobre a “morte do Estado”. Em
sua prudência contra mudanças violentas e imediatistas, o filósofo mantém sua
postura de não destruir um valor sem antes por algo em seu lugar:
“Assim uma geração
posterior verá também o Estado, em algumas regiões da Terra, perder
significação – uma representação em que muitos homens do presente mal podem
pensar sem angústia e abominação. Trabalhar pela difusão e efetivação dessa
representação é, sem dúvida, uma outra coisa: é preciso ter uma idéia muito
pretensiosa de sua própria razão e entender a história pela metade para desde
já pôr a mão no arado – enquanto ninguém pode ainda indicar as sementes que
devem ser posteriormente espalhadas sobre o terreno devastado.”
Logo
a seguir o filósofo alemão fala sobre o aspecto medíocre do Estado, tecendo
algumas considerações sobre as “novas instituições”, que poderiam substituí-lo:
“(...) tempo vem em que surgirão instituições para servir às verdadeiras necessidades
comuns a todos os homens (...)”
Ao
surgir novas instituições, outras tantas serão superadas, relegadas ao
esquecimento por serem instituições que visam atender não às necessidades dos
homens, mas a fantasmas que elas mesmas criam. Exemplo disso é a Igreja
Católica, que na visão de Nietzsche será superada, pois chegará um dia em que
não se temerá mais os conceitos fantasiosos de pecado, culpa, salvação etc.
criados por tal instituição. É recorrente, também, a critica, ao Estado, além
do questionamento sobre as instituições de ensino que, segundo o autor, se
especializaram em adestrar os jovens de forma “brutal a fim de tornar útil e
explorável ao serviço do Estado (...) no tempo mais curto possível.”
Em que pese o fato de Nietzsche não
ser um ‘filósofo da morte do Estado’, é importante resgatar que, em suas
reflexões políticas, ele lança, de forma original e pioneira, reflexões
profundas e importantes sobre a abrangência do papel do Estado na sociedade,
percebendo cada vez mais um distanciamento do Estado de sua finalidade, ao
mesmo tempo em que critica seu caráter venal.
É o próprio autor que se propõe-se
auscultar velhos ídolos, entre eles o Estado, para destruí-lo a marteladas. Se
ele não o fez de forma clara e evidente, pelo menos é acertado dizer que suas
reflexões são hoje atuais e nos auxiliam a perceber que, o que antes era apenas
tendência, hoje, ao se transformar em realidade, tornou-se um pesadelo, pois
ainda somos dependentes, em nossa hodierna estrutura social, da figura do
Estado que, lamentavelmente, um século após a morte de Nietzsche, ainda se
posiciona como um princípio de auto-conservação, deixando de lado o que poderia
ser uma importante teleologia: a criação
de um tipo de homem mais elevado.
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