Deficiencia da psicanalise
(Habushun All Kayat)
Deficiências na teoria freudianaIncentivo para pesquisa
Freud assumiu as limitações da psicanálise no que se refere ao tratamento da
variedade de manifestações depressivas e das psicoses, apesar de acreditar que podia
compreendê-las teoricamente. Ele distinguiu a melancolia de outros tipos de depressões
e entendeu que a teoria da melancolia desenvolvida no artigo de 1917 não podia ser
aplicada para todos os casos de depressão. Como sabemos, encerrou o capítulo
depressão em sua obra, associando-a ao complexo de Édipo e à pulsão de morte –
portanto, ao conflito pulsional –, numa tentativa de esclarecer essa patologia pelo
mecanismo da neurose. Mesmo assim, aponta, em diversas passagens de sua obra, as
dificuldades para tratar a depressão (melancolia, estados narcísicos e bordelines) por
meio da psicanálise e assume ser este um tema que mereceria mais investigação e
pesquisa.
Winnicott conhecia o sentimento de Freud a respeito da depressão; ele mesmo
observou as limitações teóricas e clínicas da psicanálise ao tentar atender determinados
tipos de pacientes seguindo os ensinamentos freudianos. Há sinais claros na obra de
Winnicott que os problemas relacionados à depressão, em suas diferentes formas,1
tenham sido o aspecto que o mobilizou a rever a teoria psicanalítica e o levou à
descoberta revolucionária de que a estruturação do psiquismo, associada ao
Um detalhamento dessa questão encontra-se em Moraes 2005.
Ariadne Alvarenga de Rezende Engelberg de Moraes
Winnicott E-Prints, Vol. 4, n. 1, 2005, pp. 1-20. 3
desenvolvimento sexual e à resolução do complexo de Édipo, não conduziam a uma
compreensão fidedigna dos processos que envolvem o desdobramento da natureza
humana.
Por isso, ao confirmar em sua prática as limitações anunciadas por Freud,
Winnicott assumiu não ser possível restringir o trabalho psicanalítico à análise da
neurose. Uma razão para isso foi a observação de que, quando a análise se aprofundava,
não raramente ele descobria “elementos psicóticos” (1965vd [1963], p. 207) nos
pacientes neuróticos. Dessa forma, formou a idéia de que os temas até então tratados
pela teoria freudiana como aspectos de fixação pré-genital poderiam ser conseqüência
de uma outra razão que não a organização de defesas das ansiedades referentes ao
complexo de Édipo. Disso concluiu que o caminho para uma aplicação mais ampla da
técnica psicanalítica seria um só: o da aceitação de “uma mudança na teoria da etiologia
do distúrbio” (ibid., p. 208).
Empenhado na tarefa de estender o trabalho de Freud para “cobrir o tratamento
de pacientes psicóticos borderline” (1960c, p. 53), inclusive os depressivos, a saída para
Winnicott foi romper com as teses principais da psicanálise freudiana, colocando em
questão a posição do complexo de Édipo como central e estruturante. Foi em razão da
nova interpretação que deu aos fenômenos depressivos que Winnicott pôde desenvolver
outros fundamentos de sua teoria, como “os conceitos de self, a ligação da psicopatia à
privação, e a compreensão de que a psicose se origina num estágio em que o ser
humano imaturo é inteiramente dependente do que o meio lhe propicia” (1965h [1959],
p. 114). Seguindo essa direção, Winnicott terminou por “reconstruir a dinâmica da
dependência infantil e da infância, e o cuidado materno que satisfaz essa dependência”
(1960c, p. 53). Na seqüência, elaborou uma teoria do amadurecimento pessoal e
Depressão e a mudança de paradigma em Winnicott
Winnicott 4 E-Prints, Vol. 4, n. 1, 2005, pp. 1-20.
emocional que lhe serviu de guia para avaliar, diagnosticar e analisar tanto a saúde
como a doença.
A partir desse avanço teórico, Winnicott percebeu a necessidade de alterações na
técnica de análise para resolver a limitação terapêutica – apontada por Freud – no que se
refere ao atendimento de pacientes bordelines e psicóticos. Até então, essa limitação era
avaliada pelo psicanalista vienense como decorrência da incapacidade do paciente para
a transferência. Por isso, apesar de Winnicott acreditar que o modelo tradicional de
setting pudesse ser usado para certos pacientes deprimidos, ele propôs “mudanças na
situação transferencial” (1945d, p. 220). Essas mudanças se referem à adoção, na
transferência, de uma “dinâmica mais poderosa” (1963c, p. 200), encontrada no
relacionamento de duas pessoas e baseada no que originalmente era o lactente e a mãe.
O modelo de transferência dual foi estabelecido.
Quando se convenceu de que a estruturação da personalidade de uma pessoa,
bem como a condição de ser ou não ser psiquicamente saudável, não podiam estar
atreladas unicamente à resolução dos conflitos pulsionais e edipianos, Winnicott
também rompeu com Melanie Klein, teórica que muito influenciou seu pensamento. O
desenvolvimento sistemático de suas idéias em relação à relevância do ambiente como
condição de possibilidade para o existir humano se deu formalmente a partir dessa
época.
No entanto, apesar de encontrar limitações na teoria psicanalítica freudiana e
colocar em questão o complexo de Édipo, é preciso deixar claro que Winnicott não
abandonou a base teórica dada por Freud. Pelo contrário, além de considerá-la o pano de
fundo de seus estudos, ele sempre destacava sua importância como base comum de
ensinamento para novos integrantes na área, considerando-a quase um manual para que
a psicanálise pudesse prosseguir em suas pesquisas. Baseado nessa idéia, Winnicott
afirma que um pesquisador da psicanálise, quando incomodado por “um vazio no
conhecimento” (1986k [1961], p. XIV), pode – por já possuir um corpo teórico do qual
partir – parar e, apoiado no espírito científico, dar tempo para que esse “incômodo”
(ibid., p. XV) possa ser posto à prova, para, assim, avançar (progredir, como diria
Kuhn) sem necessitar apelar para “formulações supersticiosas” ou apoiar-se em uma
“explicação sobrenatural” (idem).Habushun All Kayat
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