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Infância
(Graciliano Ramos)

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Memória individual e memória coletiva em Infância de Graciliano Ramos Cristiane R. Antunes[1] Infância, de Graciliano Ramos, é um livro de memórias em que o autor é o protagonista, e narra todo o sofrimento físico e psicológico que viveu quando criança. Ao narrar sua memória individual o autor funde a esta a memória coletiva. As experiências pessoais de Graciliano é um ponto de vista dentro de um contexto em que muitas outras pessoas estão inseridas: (...) cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, (...) este ponto de vista muda segundo o lugar que ali ocupo e (...) esse mesmo lugar muda segundo as relações que mantenho com outros ambientes. (HALBWACHS. 2006, p. 69) Assim, os primeiros capítulos descrevem o sertão que devido ao sol devastador e à falta de água, árvores e bichos estavam morrendo: Árvores pelaram-se, bichos morreram, o sol cresceu, bebeu as águas, e ventos mornos espalharam na terra queimada uma poeira cinzenta. Olhando-me por dentro, percebo com desgosto a segunda paisagem. Devastação, calcinação. Nesta vida lenta sinto-me coagido entre duas situações contraditórias – uma longa noite, um dia imenso e enervante, favorável à modorra. Frio e calor, trevas densas e claridades ofuscantes. (RAMOS, 1995, p.17) No verão era ainda pior: “sem dúvida as árvores se despojaram e enegreceram, o açude estancou, as porteiras dos currais se abriram, inúteis. (...) Dificilmente pintaríamos um verão nordestino em que os ramos não estivessem pretos e as cacimbas vazias. (RAMOS, 1995, p.23) Além dos sofrimentos ocasionados pela seca, o protagonista traz à tona suas relações familiares durante a infância. Seus pais eram opressores e sem afetividade. Seu pai, rude e rígido, agredia-o fisicamente. Sua mãe também lhe surrou uma vez deixando marcas sangrentas em seu corpo que para curá-las foram necessários banhos de água e sal. Mas, ainda pior foram suas agressões psíquicas: enjeitava-o, dando-lhe apelidos pejorativos que deixavam feridas na alma. Ela chamava-o de bezerro encourado (por ser feio e desengonçado), ou de cabra-cega (aproveitando-se de sua doença nos olhos que por um longo tempo o impossibilitou de enxergar): “Minha mãe tinha a franqueza de manifestar-me viva antipatia. Dava-me apelidos: Bezerro encourado e cabra-cega.” (RAMOS,1995, p. 129) Naquela época, havia muita rigidez, tanto em casa quanto na escola. Era um tempo em que pais e professores muitas vezes usavam da violência para educar as crianças. Na escola, a palmatória calejava as pequenas mãos infantis. Ao narrar suas experiências pessoais, o protagonista nos apresenta o retrato de uma época, situações assim, eram também vividas por muitas outras crianças que estavam inseridas naquele mesmo contexto social.Graciliano fala sobre coisas que ele nunca esqueceu e outras que lhe foram contadas posteriormente. No entanto, somente é possível fundir memória individual e memória coletiva porque tudo já estava cravado no cerne de sua alma: (...) o depoimento de alguém (...) não nos fará recordar nada se não restou em nosso espírito nenhum vestígio do evento que tentamos evocar. (HALBWACHS, 2006, p. 33) Quando afirmo que Infância é memória coletiva, quero dizer que as lembranças pessoais do narrador-personagem, apresentam costumes, hábitos daquela época e lugar. O racismo histórico, por exemplo, quando o protagonista lembra que ficou em dúvidas quanto à instrução da nova professora por ela ser negra: (...) surgiu uma novidade que me levou a desconfiar da instrução de Alagoas: no interior de Pernambuco havia 1899 depois dos nomes da terra e do mês; escrevíamos agora 1900, e isto me embrulhou o espírito. Faltou-me a explicação necessária. Como a doce mestra sertaneja, clara, de belos caracóis imaculados, superava a outra, escura, agreste, de músculos rijos, nos olhos raivosos estrias amarelas, considerei a nova data um erro. (RAMOS, 1995, p. 164) O Graciliano, adulto, percebe que havia sido racista quando criança, pois só depois foi que ele descobriu que os números depois dos nomes da cidade e do mês mudavam conforme os anos passavam. “Lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado” (BOSI, 1983, p. 17). Infância é, por conseguinte, uma obra em que a memória individual de Graciliano reflete a atitude das pessoas, mostrando seu ponto de vista sobre uma determinada época e lugar. Logo, faz-se necessário observar ele e sua família não foram os únicos castigados pela seca, e que tiveram de ter paciência na falta de água. Ele não foi a única criança castigado pelos pais e professores. Portanto, em Infância é possível perceber hábitos, costumes e maneira de agir que configuram uma memória coletiva que pode servir de fonte para o estudo histórico.REFÊRENCIAS:BOSI, Ecléa. Memória-sonho e Memória-trabalho. Memória e sociedade: lembranças de velho. 3. Ed. São Paulo: Companhia da Letras, 1994. P. 43-70.HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Trad. Beatriz Sidou. 2. Ed. São Paulo: Centauro, 2006.RAMOS, Graciliano. Infância. São Paulo: Editora Record, 1995.[1] Professora pós-graduada em Língua Portuguesa. Leciona na rede pública de Minas Gerais desde 2003.



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