Platão, acho, estava doente
(Jeanne Marie Gagnebin)
O texto de Jeanne Gagnebin inicia
falando sobre as discussões filosóficas, que analisam os conceitos de sujeito e
de subjetividade. Não presta atenção no discurso filosófico, mas no sujeito
deste discurso. A autora elenca questões importantes quanto a esta falha:
“1. Qual é a relação entre o sujeito de tal discurso filosófico
determinado e as figuras de autor e de narrados que imperavam nas outras
praticas de falas contemporâneas a esse discurso?
2. Existe uma relação especifica entre o
sujeito de um discurso filosófico particular a definição do conceito de sujeito
nesse corpus filosófico particular?
3. O fato da tradição filosófica geralmente
não tratar da problemática da enunciação subjetiva discursiva, esse fato teria
implicações para a filosofia enquanto gênero discursivo especifico?” (pág. 89)
Ela
aborda esses problemas pelos diálogos de Platão. O filosofo oferece um material
que faz oposição a outras práticas de fala e de escrita vigentes a época. É um
tipo de discurso com uma escolha que é necessária para ressaltar a
especificidade de uma atividade, que se contrapõe a outras praticas poderosas
na polis, como a sabedoria e sábio, e principalmente a poesia e poeta, e ainda,
a sofistica e sofista.
A autora realça a especificidade.
Não é só um lance de gênio, mas uma maneira de separá-la da sofistica. Até hoje
há necessidade de defender o que é filosofia. Na época, o grande paradigma do filosofo
e do educador ainda é o poeta épico como Homero. Na obra platônica A republica, que não é só uma obra filosófica/política,
mas sim um tratado de educação contra os sofistas, há uma forte escrita contra
a influencia de Homero.
Ela debate quais são as
atribuições da função do poeta épico. Destaca três conceitos chaves interligados:
A gloria do herói, da memória e do tumulo. A palavra poeta mantém viva a memória
do herói morto. É uma luta contra o esquecimento. Ao manter vivos a sua gloria
e esplendor, o poeta exerce a mesma função das sagradas cerimônias funerárias descritas
em Ilíada. O poeta reconhece a força
do esquecimento e da morte. Ele é um mestre da memória e da verdade, e ao mesmo
tempo exerce esse papel de sacerdote e de virtuose.
O impulso a filosofar de Platão
provem também de uma busca pela verdade, que é preservar a memória de Sócrates.
Mas também há uma necessidade de defender a honra e a gloria do mestre morto.
No texto A apologia, Sócrates compara
a sua escolha com a de Aquiles em Ilíada. Pode-se dizer que o filosofo assume
em relação à morte de Sócrates a mesma função que os poetas para com os heróis mortos:
Lembrar suas façanhas para a posterioridade. Platão esta para Sócrates como
Homero esta para Aquiles.
Essa rememoração do mestre/herói são
pistas para entender a diferença do pensamento de Sócrates para o de Platão, e
da emancipação deste. Primeiro há a preocupação com a memória de Sócrates,
depois inicia escrita platônica. É uma dupla transformação.
Devemos notar uma função quanto à memória.
Na rememoração de Sócrates, o discurso platônico não deve só preservar, mas
também defende-lo por ter sido condenado injustamente, portanto, deve reabilita-lo
na memória da polis, como os heróis na sua pátria. Mostra que ele não é quem o
povo ateniense pensa que é: mais um sofista. Defende-lo quanto esta acusação e
as de covardia e passividade por não fugir da prisão. Platão deve construir uma
morte exemplar contra a opinião da polis.
“A voz do filosofo não pode mais reivindicar para si a função sagrada
da ligação ao passado e as origens, como o podia o poeta. Deve, sim, propor e
defender outra interpretação de um episódio singular.” (pág. 93)
Se a poética
podia prescindir uma partilha clara entre verdade e mentira (ou ficção), a
prosa platônica se debate na alternativa entre um discurso mentiroso, mas que
parece verdade, e um discurso verdadeiro, mas que não consegue ter veracidade. Os
diálogos de Platão tem um gênero literário muito especifico que oscila entre a
ficção e o relato, através de uma narrativa subjetiva e singular, a ficção de
uma verdade factual.
Uma estratégia
do filosofo é a denegação sistemática do possível caráter autobiográfico dos diálogos.
Platão como autor sempre se ausenta desse papel, assim como de ser narrador e
até mesmo personagem da trama, para melhor cumprir o seu papel. A autora
acredita que ele estava doente, fraco demais para assistir ao último dia de Sócrates.
Como se essa fraqueza fosse necessária para garantir a força da verdade do seu
discurso filosófico. O sujeito que enuncia o discurso filosófico deve se apagar
em proveito do objeto principal, como na antropologia iniciado por Malinovisk.
Uma
interpretação especulativa mais respeitosa diz que esse anonimato é uma
condição necessária para vaguear-passar verdadeiramente filosófico. Essa condição
é caracterizada por uma relação de não-posse do autor filosofo em relação ao
discurso. Ele não faz questão de ser o proprietário de seus escritos. É muito
mais o próprio logos que o move e não o sujeito-autor particular que se apodera
dele.
Esta é
a diferença do discurso platonico para os da época, sobretudo os poetas. Essa
elisão do sujeito-autor só é possível por um refinamento da estratégia retórica-literária,
por um fazer de conta que não há ninguém atrás do dialogo, esse seria o próprio
real. Só a ficção, a mentira, da ausência do sujeito-autor permite a
constituição de um discurso que reivindica uma verdade e uma validade não
subjetivas.
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