A Noite
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Sinopse. Drama.
Atravessando uma crise, o casal Giovanni e Lidia acaba de deixar o hospital,
onde o amigo Tomaso agoniza. Embora bonitos e bem sucedidos, estão
insatisfeitos e entediados, à procura de algo em suas vidas que revigore o amor
que parece seguir pelo mesmo caminho do amigo enfermo. Após acompanhar o marido
escritor no lançamento de seu livro, Lidia toma um táxi e vai perambular
sozinha pelos subúrbios, reencontrando Giovanni no fim do dia. Os dois seguem então
juntos para um bar, e depois para uma grande festa na mansão de um industrial,
que oferece um emprego para Giovanni. Ele, no entanto, irá se envolver com a
jovem filha do anfitrião, Valentina, enquanto Lidia se vê cortejada por um
estranho.
Comentário. Este filme
seria conhecido como o segundo da “trilogia da incomunicabilidade” (sendo A Aventura e O Eclipse os demais), que o diretor Michelangelo Antonioni
realizaria entre 1960 e 1962. Marcados por uma dolorosa dificuldade em
expressar os sentimentos e lidar verdadeiramente com o outro, os personagens de
Antonioni frequentemente se confrontam com o silêncio ou com uma fria, vazia,
cordialidade. Escondem, assim, a solidão que os sufoca e os empurra em direções
que às vezes só lhes faz aumentar tal sensação angustiante. Seriam reflexos de
uma sociedade que cresce e se moderniza (estamos na década de 1960) de maneira
descontrolada, sugere a narrativa sóbria, em sua mescla de realismo e
sensibilidade.
Desde
a bela abertura, com a câmera descendo pela parte externa de um arranha-céu e
exibindo a cidade ao fundo, os personagens se veem a todo instante rodeados por
esta cidade, no caso Milão, que cresce e oprime. Ouvem-se ruídos de
helicóptero, de foguetes, de sirenes, que jamais aparecem para nossos olhos. Na
varanda do apartamento, Giovanni se sente incomodado com o vizinho que, na
janela do edifício à frente, devassa a sua privacidade. Lidia, enquanto isso,
caminha sem rumo pelos subúrbios vendo um passado que ainda permanece na
paisagem. “Não mudou nada”, Giovanni comenta, quando vai buscá-la, olhando o
local. “Mas vai mudar”, prevê sua esposa.
Egresso
do neo-realismo italiano, movimento que nos daria ainda cineastas como Roberto
Rosselini, Vittorio De Sica ou Luchino Visconti, entre outros, Antonioni também
utiliza, neste A Noite (La Notte, Itália/França, 1961),
elementos de realidade misturando à ficção o olhar do documentarista. O passeio
de Lidia certamente é um exemplo dessa opção, onde aquilo que ela vê não deve
ter sido encenado. As ruas que ela atravessa, as pessoas por quem passa (os
homens rindo, o sujeito que a olha, a criança que chora) talvez sejam
não-atores flagrados pelo momento. Vai saber. A câmera de Antonioni, no
entanto, prefere focalizar a humanidade que existe em seus personagens. O
diretor já havia explicitado, em entrevistas, a sua paixão pela literatura, e o
fato de um escritor poder dedicar páginas e páginas ao sentimento de um
personagem em determinado momento. Aqui, não são poucos os momentos em que
Giovanni é visto discutindo o fazer literário. Da mesma forma que não são
poucos os momentos em que o sentimento, mais importante do que a ação, é
sugerido em olhares, expressões e falas como “Todas as vezes em que tentei me
comunicar com alguém, o amor foi embora.”
Para
interpretar o casal, Antonioni foi de uma felicidade extrema. Impecável em tudo
o que faz, Marcello Mastroianni dá a Giovanni as nuances necessárias para que a
angústia que move o personagem apenas transpareça, de maneira discreta, ao
espectador, enquanto ele se lança aos flertes, aos diálogos vazios, ou, como
ele mesmo diz, “jogando a vida fora como um idiota”. Jeanne Moreau, por sua
vez, explicita a sua dor, chorando quando está sozinha e admitindo, após
flagrar o marido com outra, que “não havia ciúmes. O problema é esse”. E há
Monica Vitti. Ainda que em breve participação, a então esposa de Antonioni,
aqui morena, surge encantadora, para desaparecer após a festa, quando o dia
amanhece e se vê apenas a sua silhueta contra a janela.
Momento
alto do filme, é na tal festa – que outro italiano genial, Federico Fellini,
retrataria de maneira semelhante em A
Doce Vida – que vemos a alegria inconsequente e ostentatória mostrada, no
entanto, de maneira até afetuosa pelo diretor, com bela fotografia em preto e
branco. Momentos como o do jogo inventado por Valentina, ou da chuva no jardim
da mansão, revela o olhar de estranhamento e fascínio por aquela gente que
parece viver uma celebração eterna quando em grupo. Nesse ponto, Lidia parece
ser quem melhor expressa esse olhar. Sem se enturmar, caminhando silenciosa
entre os afoitos, quase histéricos, convidados, é assim que ela se diverte. E é
ela quem, durante o amanhecer, diante de convidados que ainda se reúnem ao
redor dos músicos que não param de tocar, pergunta a Giovanni: “O que eles
esperam? Que o dia vá nascer diferente só porque os músicos continuam tocando?”
Curiosidade: durante os créditos finais de A Vida de Brian, do grupo Monty Python,
pode-se ler “Se você gostou desse filme, por que não vai assistir La Notte?”
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