Desejo, Mercado e Religião
(Jung Mu Sung)
É verdade também que a distribuição de renda, ou sua concentração, e determinada, em grande parte, já no processo produtivo. Quando nos voltamos para a recente história do Brasil, constatamos que vigorou, do término da Segunda Guerra até a década de 70, o modelo de desenvolvimento denominado de “substituição de importações”. De acordo com este modelo, o objetivo era implantar o mesmo desenvolvimento econômico praticado nos países da chamada “revolução industrial” (Europa e EUA) e levar as massas dos países do terceiro mundo ao mesmo padrão de consumo da maioria rica dos países ricos. O resultado disso foi, além da disseminação da ânsia consumista na consciência da humanidade e da identificação da atividade econômica com o processo civilizatório, o agravamento da concentração de renda e da riqueza já existente e o inevitável dualismo social: incluídos, excluídos. Com a crise da dívida externa do início dos anos 80, passamos do chamado "desenvolvimentismo para o ajuste econômico", e com isso expande-se a desigualdade tecnológica e a dependência financeira, e alarga-se a dependência cultural, mediante a cópia dos padrões e consumo e de comportamento difundidos nos centros hegemônicos. Consequentemente, há maior concentração de renda e maior exclusão social, pois, devido à diferença de produtividade existente entre os países tecnologicamente avançados e nós, a concentração de renda é o único meio de as elites nacionais aculturadas alcançarem a renda média necessária para ascender aos níveis de vida opulentos das economias centrais. E isso ocorre porque no centro desse dualismo ou exclusão social, está o problema da imitação ou das mimeses na dinâmica econômica. “Assumimos os que se auto intitulam desenvolvidos (outros países) como nosso modelo a ser imitado e nos alienamos de nossa realidade e identidade”. Este desejo mimético (imitar) tem guiado a nossa economia e gerado uma concentração brutal de renda e um dualismo social e econômico. O resultado é o surgimento de dois brasis (Brasil), separados por processos produtivos e distâncias tecnológicas. O problema é que não é fácil superar este desejo mimético de consumo ou de apropriação porque ele está no centro da modernidade em que vivemos, modernidade que se caracteriza pelo mito do progresso e a construção de um novo tipo de utopia. Acredita-se que pelo progresso tecnológico será possível realizar todos os desejos humanos atuais e ainda por vir. Como? Imitando o desejo de consumo das elites, a maioria deseja também consumir as novidades do progresso. Assim, o progresso vai na direção da ampliação da produção destes bens para as massas, pois, o que é hoje desejo, capricho e luxo de uns poucos, será necessidade pública amanhã (temos como exemplo os celulares, computadores). Deste modo a produção econômica deve estar voltada para satisfazer os desejos das elites, pois estes serão as futuras necessidades das massas. E para a massificação destes bens é indispensável o progresso. Porque desejamos o que os outros já possuem e nos esforçamos por consegui-lo, existe o progresso. O desejo mimético é o seu propulsor. Porém, não é qualquer desejo que a sociedade aceita, mas somente aquele que o próprio mercado cria. O mercado é assim o próprio critério para desejos aceitáveis ou não. Contudo, não há garantia de resultados positivos na lógica do desejo e na dinâmica da economia moderna. E o motivo é muito simples: “a estrutura básica do desejo mimético consiste em que eu desejo um objeto não pelo objeto em si, mas pelo fato de que outro o deseja também”. Sendo assim, o objeto desejado por outros é sempre escasso em relação aos sujeitos do desejo. E porque é escasso é que é objeto de desejo. Com isso cria-se uma rivalidade entre aqueles que querem o mesmo objeto. Esta rivalidade ou conflito tem o nome moderno de concorrência. E como na dinâmica econômica capitalista há sempre novidades que são objeto de desejo, a escassez é um fato básico; e a frustração, rivalidade e violência daí decorrentes, além de inevitáveis, são cruéis porque, embora desperte o desejo em todos, poucos o realizam. Na verdade, a economia capitalista baseada no desejo frustra todo mundo. Mesmo os integrados no mercado vivem uma eterna insatisfação porque o seu modelo de desejo sempre está inovando no seu consumo, o que os leva sempre a correr atrás de mais consumo. Trata-se, pois, de uma corrida sem fim, rumo ao consumo infinito para tentar satisfazer de modo pleno e definitivo todos os desejos. Por que então manter esta dinâmica progresso-desejo-mimético, se o resultado é frustração de muitos, para não dizer de todos? Acredita-se que somente através de um rápido progresso material, é possível evitar conflitos internacionais graves. Nesse caso, não somos apenas criadores do progresso, mas também seus prisioneiros. Portanto, não há saída: deve-se continuar esta rota que tantos outros tratam de seguir, apesar da ameaça ao equilíbrio ecológico e da exclusão de muitos. É o sacrifício necessário para o progresso, dizem.
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