Gemeos
(nelson de oliveira)
Roma Eram gêmeos, Alcides e Alcebíades.Alcebíades queimava cem, duzentas folhas por dia. Alcides, o irmão, incentivava-o com brochuras compradas sem sebo. Alcebíades queimou caderno escolar, recibo de supermercado, até a certidão de nascimento. Tinha aflição dos papéis, tivesse neles o que fosse.Apesar de serem feitos do mesmo bife que a mãe fincou o canino, eram independentes na intuição. Se um ateava fogo, outro ia atrás dos inflamáveis. As cinzas eram deixadas eram deixadas num pira; no fino talco ígneo, os irmãos jogavam moedas como o fariam na Fonte do Desejo.Filhos de um engenheiro habituado as cerimônias de confrarias, os irmãos não se rebelaram a paternal autoridade. Mas, por conta de seus atos medicáveis, nunca foram convocados a oferecer fidelidade ao grão-mestre.Mulheres passavam ao largo das tentativas de aproximação. Teve uma que se casaria com Alcebíades, mas ter a certidão de casamento queimada descia fantasias escuras. Num dia qualquer ele botaria fogo nela se usasse um perfume amadeirado.Após o almoço de domingo, a luz caminhando pela varanda, cascas açucaradas de laranja nas tigelas, Alcides levantava a taça de licor sanguíneo celebrando o Espírito Santo.Alcides foi o primeiro a se livrar da câmara carnal, o outro ficou lá mais um tanto enrolado no cordão. No batizado se falava das profissões dos meninos, seriam dois desembargadores de alta estima, ilustrariam os jantares da cúpula nacional. Quando crianças, eram rosas como leitões.Na adolescência as feições leitosas deram lugar as camadas de gordura, tendo como válvula de escape o couro cabeludo por onde gotejava o óleo das carnes. Exames laboratoriais nunca revelaram anomalias moleculares, as cadeias estavam impecáveis, assim como os ternos no closet.Os pais sabiam de uma estranheza ou outra, mas nunca a inteireza dos fatos, os irmãos encontravam espaços secretos para suas manias feito antigo botânico e sua estufa no jardim. Fizeram faculdade, cortejaram moças pacatas, quem os visse, daria as suas causas para que advogassem. A boa educação os vestia com fidalguice.Na gravidez, a mãe sonhava com chaminés industriais enquanto os filhos ali dentro uniam dedos num pacto. Quando chegassem aos quarenta anos, a escada de madeira seria a contribuição de Alcides, com os dois alcançando a ultima plataforma, Alcebíades jogaria lá de cima fósforos acesos sobre a poça de comburente. Um ardor os botaria em febre, a escada viraria talco da pira, os gêmeos perderiam solvente, mas não o soluto. Defumariam.Tudo isso pra dizer que os gêmeos queimaram a empregada. No português claro, não só defumariam como defumaram a Katinha. Mais que isso, incineraram a moça. Um convite para trabalhar na chácara deixou a moça feliz, fez as malas cantando. Amarrada numa cadeira debaixo da escada, os gêmeos no alto dela com os galões de gasolina e os fósforos.Quem deu falta da mulher nem pensou em policia, o fato deu em nada. Os gêmeos eram puritanos, o crime cristalino. Lábios finos eles tinham.Um dia Alcebíades assumiu para Alcides a ternura fálica que sentia por Katinha. Guardou as cinzas da empregada, e num daqueles almoços de domingo, taça de licor levantada para o Espírito Santo, polvilhou o arroz-doce com os restos de Katinha.__ Me passe essa canela ? pediu Alcides.
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