Blindness
(Jose Saramago)
Gostei muito de Ensaio sobre a Cegueira. Não considero o estilo [a]gramatical de Saramago particularmente aprazível, nem a história de que se lembrou me fez sentir confortável, muito pelo contrário, dado que se passa num cenário verdadeiramente grotesco e que suscita uma angústia passível de atingir o leitor mais resistente. No entanto, a ausência de marcos temporais ou espaciais permite que qualquer leitor se possa rever na história e nas personagens, enquanto encontra paralelismos assustadores entre o mundo ficcional de Saramago e o mundo em que vivemos.
Conhecemos muito bem grande parte das situações que se revelam nesta obra, pois esta caracteriza a sociedade actual. A violência gratuita, o egoísmo crescente, e até o cinismo dos políticos são constantes nesta sociedade caótica, figurativamente cega para todas as realidades menos convenientes para manter a paz de espírito que nos permite continuar o nosso frenético ? ou, pelas palavras de alguns, moderno ? quotidiano. São exemplos de situações menos convenientes as guerras que mancham a história de tantas nações e as condições sub-humanas em que vivem as populações dos países em desenvolvimento, enquanto os ditos civilizados países ocidentais recheiam os seus desproporcionalmente grandes hipermercados com o dobro ou o triplo dos bens que conseguimos consumir, gastando um tal montante em publicidade de apelo ao consumo que seria suficiente para suprir as necessidades nutricionais de uma grande parte do Terceiro Mundo. Na era da abundância e da comunicação, esta é uma ironia perfeitamente desnecessária, contudo, tal como acontece com as personagens de Ensaio sobre a Cegueira, tememos muito mais encarar aquilo em que nos tornámos, monstros vorazes e egoístas, do que a sensação de impotência causada pela cegueira a que nos forçámos.
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