Matrix - Bem-vindo Ao Deserto Do Real
(William Irwin)
William Irwin compilou uma série de ensaios sobre o filme ?Matrix? nesta Obra que nos faz refletir profundamente: da religião à filosofia, da política à metafísica. Este mundo não é real, é ?virtual?. As máquinas tomam conta do planeta e todos seguem os esquemas por elas montado no sentido de uma vida ?suave e feliz?, mas sem liberdade. A busca da liberdade é o cerne da trama. Poucos heróis anti-aparato-estatal tomam a si a dificultosa incumbência de reencaminhar o mundo do caos em que se encontra na direção da verdadeira ordem em paz, felicidade e liberdade. As dificuldades de praxe no lidar com as coisas do Estado autoritário são aqui recolocadas num patamar e segundo uma perspectiva totalmente diferente. As máquinas, basicamente computadores de ponta, que atingiram inteligência artificial, tomam conta do planeta e tudo o que acontece é monitorado para que seja satisfatório à máquina, não ao humano. Poucos têm acesso à realidade em computadores não submissos ao sistema num inteligentíssimo jogo de espelhos. O mundo que aparenta ser real somente é acessível a poucos que detêm a tecnologia necessária a simulá-lo em computadores. Fora desta aparência todos dormem enquanto geram a energia necessária ao funcionamento das máquinas. Um jovem programador passa noites a fio procurando alguma coisa, sentindo que há algo estranho acontecendo, que as coisas não são o que parecem ser... Quem chega a intuir que há algo de muito errado com o mundo sente-se imediatamente identificado com o herói da trama. Tanto busca que acaba sendo encontrado pelo grupo de guerrilheiros anti-estatais comandados por um ativista cognominado ?Morfeu?. Alcunha perfeita pois, em sua luta, estão todos adormecendo nos braços dos computadores que resistem ao sistema para que toda a espécie humana possa despertar do sono em que se encontra. O jovem programador é convidado a conhecer mais (conhecer é poder, controle, domínio) e lutar pela libertação do mundo. Fica sabendo que ele, ?Neo?, é O Escolhido, aquele que, por ser capaz de atuar operacionalmente contra a ordem é capaz de lutar e mostrar aos homens o caminho da libertação. Morfeu é o seu mestre, que o reconhece e que logo será superado. Como lutar contra a escravidão se há séculos o homem nasce escravizado? Esta questão, antiga como o Estado, foi excepcionalmente trabalhada pelo Renascentista Etienne de La Boétie. A sede pela liberdade já freqüentava os sonhos de Espártaco no Império Romano. A atualidade desta inquietação no mundo globalizado em que vivemos desassossega. Para além das alegorias apresentadas no filme, há a reflexão em torno da luta do homem pela sua emancipação face a um poder massacrante. Contra toda a evidência ? até porque a alternativa para aquele que despertou é a insuportável ?Servidão Voluntária? ? a luta do humano para emancipar-se segue plena e eficaz. Mais importante que obter sucesso na luta é não capitular, pois capitular é transformar-se em seu próprio algoz. O aprendiz tem de ?morrer? e ?ressuscitar?, precisa dominar técnicas novas, precisa dominar acima de tudo o seu próprio medo e conformismo. Precisa viver e deixar viver em permanente luta contra os algozes mecânicos. ?Matrix? é o Estado, a ordem fria a que os seres humanos devem submeter-se. Trata-se de um conjunto de máquinas capazes de fazer crer em qualquer coisa, atuando diretamente no nível neuronal das pessoas. Contra esta, a luta para recolocar a máquina a serviço do humano, não mais servindo-se dele. O embate final, entre o humano imaginativo, criador de um lado e, de outro os representantes da ?ordem?, os agentes da máquina, é um primor de alegorias. Faz-nos recordar de todos os momentos históricos em que a nossa espécie avançou na direção certa, sempre sob a orientação de um líder carismático a serviço de um poder superior que por vezes nem ele, a princípio, compreende plenamente. Neo, Morfeu e seus aliados são os libertadores humanos, são os guerrilheiros humanistas que pretendem a restauração da ordem, daharmonia. Uns poucos seres humanos idealistas lutando pelo que é bom, justo, correto pretendem dobrar, jugular a autocracia dominante. Tal não tem sido assim na história da humana espécie? Este livro deve ser lido com a mesma atenção e entusiasmo que outrora se devotava ao ?Manifesto Comunista?, ao ?Discurso da Servidão Voluntária?, ao ?Manifesto do Surrealismo? e outras obras subversivas. Tudo é dor e ilusão ? antigo ensinamento budista ? o que chamamos de realidade não passa de mera ilusão dos sentidos. Futuristicamente, os irmão Larry e Andy Wachowski realizam uma primorosa mesclagem de aspectos do cristianismo com aqueles do Budismo e do Hinduísmo, no que ficou conhecido como ?gnosticismo?. Referências a ?Messias?, ?O Escolhido?, ?Zion (Sião)?, Trinity (Trindade) correm paralelas a filosofias orientais. Todos dormem, é necessário acordar, eis um dos cernes da filosofia budista. Em uma cena o ?Messias? Neo estende a mão e paralisa balas que lhe são disparadas. Sidartha Gauthama, o Buda, também foi atacado pelo exército de Mara (deus da ilusão) e todas as armas disparadas contra ele transformaram-se em pétalas de flores, reza a tradição. Comunismo e a religiosidade têm uma ligação estreita, umbilical! Gente de elevada índole intelectual e moral a lutar por um mundo e uma vida melhor para todos são os principais pontos comuns entre a política e a fé ? ligação que hoje só encontramos, vale ressaltar, no Islã. É uma alegria ver um filme cristão, com eivores budistas, orientais, a trazer-nos as mesmas reflexões.
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