A TAÇA DO MUNDO É NOSSA!
( Para crianças que odeiam verduras)
Em meados dos anos Setenta, o país viveu uma febre de alimentação natural e de vitaminas que se espalhou como epidemia pelas pequenas cidades do interior. De um dia para o outro a culinária mudou e as massas, os cozidos e os assados foram trocados por enormes bandejas de acelgas, rúculas, espinafre e agrião, tudo salpicado com bastante salsa, cebolinha e cheiro-verde. Todos comiam com um venerável entusiasmo (se rabo os tivessem, os abanariam como vacas no pasto, pensava eu ao contemplar a ruminação de meus familiares ? os bons-bocados são diferentes, você só move a faringe, ao degluti-los). Eu teimava em não participar das refeições alegando que o verdureiro as cultivava ao lado do campo de futebol onde a bola enlameada caía, onde os reservas treinavam e onde o roupeiro estendia as meias mal-lavadas. É claro que não acreditavam em mim e forçavam-me a engulir os bolos de mato que deixavam-me com ânsias de vômito por boa parte das tardes. Um dia, voltando do colégio, encontrei na rua um pino de chuteira, gasto, encardido e com lama ressequida. Oh! Idade das idéias geniais! Durante o almoço, escondi o pino no fundo de uma travessa com salada de tomate e alface e esperei. Minha irmã mais nova teve a sorte de encontrá-lo. Sua mão tremia ao segurar o pino entre os dedos esguios (ela estava emagrecendo à olhos vistos de tanto comer mato). Seus olhos de coruja pareciam perscrutar um disco voador em miniatura. Aproveitei o momento para minha intervenção ensaiada. Os jogadores de futebol da cidade, após o jogo, iam tomar cerveja nos bares da praça, sem tomar banho e eram famosos pelo mau-cheiro que exalavam. Vomitei sobre a mesa um vômito verde e vitaminado, sentenciando enfático:
_ É O PINO DA CHUTEIRA DE MANEZIN BATATA! ? referindo-me ao bancário Manuel Macaxeira, o artilheiro do time e que se destacava pelo cheiro do suor nauseabundo e acre! Todos deram um salto para trás. O meu pai, que tinha mania de limpeza (lavava as mãos trinta vezes por dia, ou mais), revogou os costumes e voltamos, graças ao futebol, ao tempo dos bifes com batatas!
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