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O Artesão Divino
(Cassiano Ribeiro Santos)

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O pequeno riacho, o musgo envolvendo as muralhas e o aroma de pinho vindo das montanhas davam àquela casa uma atmosfera bucólica protegendo os moradores da azáfama de uma grande cidade ali perto. Nesta casa morava um aristocrata com duvidosos títulos de nobreza, sua filha Sílvia, cujos trajes requintados não escondiam sua beleza natural e vários servos sussurrando as delícias da vida moderna e as novidades da grande cidade. Sílvia odiava o campo e suspirava ao ver as luxuosas carruagens na estrada, depois ingeria coloridas pílulas cujos rótulos no frasco indicavam propriedades mirabolantes e abria um revista com desenhos de perucas, carruagens sem cavalos, roupas sintéticas e gramofones. Um dia, almoçando com a mente a vagar no copo de uma bebida borbulhante - a novidade da época - Sílvia ouviu seu pai dizer:
- Amanhã o nobre Uriel virá lhe fazer uma visita. Ele é rico e muito amado em sua terra.
Sílvia desconcertou-se. Seria ele o príncipe encantado rompendo-lhe o claustro e levando-a a conhecer as grandes cidades? Pensando nisso ela sonhou à noite com grandes candelabros de cristal, telegramas, sorvetes e lindas flores de plástico - seus signos ingênuos de uma vida sofisticada. No outro dia ela recebeu a visita do nobre Uriel com o rosto sufocado em maquiagens. Vestido com roupas de caça, ele se apresentou com a espontaneidade de quem vive em grandes espaços e a menina julgou-lhe rústico demais esperando que estava por um ?esnobe? de bigodes perfumados.
Uriel retirou da lapela uma rosa e lhe ofereceu. Ela aspirou-lhe o perfume. Jogou a rosa no chão, esmagou-a com os pés e disse:
- É natural! Temos muitas aqui no jardim.
O nobre divertiu-se. Confundiu-lhe a petulância com espírito e sua admiração era sincera. Decidiu lhe ofertar seu bem mais precioso: uma gaiola de ouro com um rubro rouxinol. O rouxinol cantou a mais linda canção da terra, muitas damas-de-companhia deixaram correr uma furtiva lágrima, mas o coração de Sílvia parecia um relógio de parede em seu impassível tic-tac. Com olhos desmaiados ela pronunciou:
- É natural! Muitos deles incomodam o meu sono nas janelas do meu quarto.
O nobre magoou-se e suspendeu os presentes. Ceiaram todos circunspetos e Sílvia sentiu a fúria nos olhos do seu pai. Estava porém orgulhosa e pensava em silêncio: jamais eu me casaria com esse natureba!, e ele pensava por sua vez: heis a minha caça mais difícil, não desistirei!
Após a despedida, com o espírito conturbado, o príncipe viu na frente do solar um anúncio: precisa-se de um artesão. Ao dobrar a primeira curva ele saltou da carruagem, escondeu as roupas em um arbusto e vestiu os trajes de um servo. Disfarçado, apresentou-se no solar e empregou-se como artesão. A presença de Sílvia aliviando-lhe o calor da fornalha e a chama nascente do amor em seu peito. No domingo, ele foi à forja e esculpiu um suntuoso binóculo de prata com lentes cor-de-rosa. Um prodígio. Os servos não falavam de outra coisa e logo Sílvia apareceu, apanhou o binóculo e olhou a paisagem. Tudo era rosa, as montanhas, o céu, as árvores, até as rosas eram rosas!
- Quero ele ! - Disse entre pedindo e ordenando.
- Só posso desfazer-me dele em troca de um beijo!
Sílvia hesitou... beijar aquele verme!.. Pensou melhor: Um simples beijinho! Pôs então nos lábios do artesão um beijo mais tênue que um vapor nos campos, mais vago que uma sombra noturna, mais breve que uma lágrima na chuva e subiu para o seu quarto vendo o mundo com outras cores mais caprichosas - à noite sonhou com imensos falos cor-de-rosa flutuando dentro do quarto. No outro domingo Uriel teve mais uma inspiração: fez uma chaleira com o bico modulado e com vários guizos na tampa. Quando a água fervia o vapor agitava os guizos, assobiava pelo bico e ouvia-se então um rondó de Mozart. A menina ficou louca ao ver aquilo.
- Que lindo artifício! Tem que ser meu de qualquer jeito!
- Ele é muito, muito precioso! Só posso cedê-lo por cinqüenta beijos.
- CINQÜENTA?! - Gritouindignada com o alto preço.
- EXATAMENTE! - Retrucou Uriel com os lábios já umedecidos. Depois de muito hesitar, ela aquiesceu:
- Que as criadas façam um círculo. Ninguém pode ver-me beijando um servo miserável!
As criadas fizeram um círculo em volta . Sílvia disparou os seus beijinhos rápidos e artificiais, contudo, os beijos tem vida própria e com a repetição os artifícios tornam-se naturais. Os beijos cresceram, as línguas se envolveram e no trigésimo oitavo desapareceram os intervalos. Um longo beijo que anos depois o cinema inventaria uniu os lábios do casal; porém, da janela do seu quarto, o pai de Sílvia viu a cena e desceu furioso gritando por uma arma. Não satisfeito em expulsar o artesão, expulsou também a filha leviana, os dois se encontrando como Eva e Adão expulsos do paraíso.
- A culpa é sua, miserável! - Sílvia atirava-lhe pedrasl.
- Não se aflija. Case comigo! - Ele gritava desviando-se.
- Casar contigo? Esse trapo?
- Não sou esse andrajo que você está vendo. Isso também é um artifício. Quer ver como sou ao natural?
Sílvia ruborizou-se. Nunca havia visto um homem ao natural e pôs as mãos no rosto com os dedos entreabertos. Uriel foi ao arbusto e surgiu em trajes deslumbrantes. Trazia nas mãos uma rosa e o rouxinol. Sílvia desmaiou de felicidade. Jogou fora o binóculo e a chaleira. Jogou-se nos braços de Uriel exclamando:
- Ah! Como eu amo as coisas naturais!



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