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A Bizarra Aventura De Um Pobre Músico -parte Um
(Antonin Artaud / Cassiano Ribeiro Santos)

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A BIZARRA AVENTURA DE UM POBRE MÚSICO ? PARTE UM

Hoichi, músico excelente e por fatalidade cego, possuía ainda belas orelhas, vermelhas como um sol poente e perdidas, vejamos como, em uma tarde do antigo Japão.
A trama se desenrola numa tarde, um pouco antes do crepúsculo, diante do portal brilhante do templo de Danomosoura onde Hoichi, o deplorável músico, havia sido recolhido por caridade. Hoichi não via o cintilar do céu nem das águas em cujas margens elevava-se o velho templo, mas a magia movente da noite vesperal fremia o ar com vibrantes e invisíveis presenças e o cego sentia o vôo dos demônios escondidos, dos legendários heiké cuja passagem comunicava a sua carne misteriosos arrepios. Ele tinha medo. O templo vazio dormia. O marulho das águas exalava suspiros semelhantes ao dos defuntos. Encolhido sobre si mesmo, a flauta cerrada contra o peito, a face revirada, apoiado contra o muro frágil, ele esperava. Nesse momento a voz imperiosa do samurai, como se exalada da escência das coisas, o chama. Ele o chama uma vez e depois uma outra; e como Hoichi não responde nunca, o samurai aproxima-se. Hoichi sente u?a mão metálica aprisionando a sua. O guerreiro parecia muito potente, bem armado. Então ele obedece.
- Eu vim... diz o guerreiro... eu vim...
E eles seguem marchando em meio ao silêncio das pedras.
Então a grande voz imperiosa e distante retoma no mesmo ritmo hebefrênico:
...Da parte do meu mestre, da parte do meu mestre, para te buscar.
E as pedras recomeçam o canto secreto; as folhas, o murmúrio.
O caminho possuía uma distância incalculável, mas o que assustava sobretudo o músico cego era o final desta viagem, ao qual ele sentia não ter a coragem de se furtar. Eles chegam enfim aos pés de uma grade imensa diante da qual seu condutor lhe interrompe. Meu mestre espera de ti, o mais maravilhoso músico da terra, u?a melodia mais bela que a que tocarias ao maior mikadô, meu mestre maior que o maior mikadô. - Disse o samurai e o silêncio retorna. Logo as grades se abrem e eles passam com passos pesados, patinando como tropas de soldados. Chegaram diante do que parece ser ao músico uma escadaria. Ouvia-se algo como cortinas se abrindo, vôo de gansos selvagens, sopros bruscamente baforados. Uma impressão de luz toca a pele do músico cego. Ele se sente em um palácio ultra-iluminado, mas o vertiginoso terror que eriçava sua carne lhe fazia titubear a cada passo que dava.
- Cante-nos, cante-nos... - entoa a voz do samurai toda encouraçada de ferro - cante-nos o casamento da princesa... a princesa do nosso grande mikadô. Então parece ao cantor desgraçado que a visão lhe fora devolvida como se não houvessem mais pálpebras, como se seus membros fossem todos em vidro transmutados. Sentiu a impressão de uma queda e sentia seus dedos correrem sobre a corda da biva segundo o ritmo do poema comandado, e as imagens se traçavam em torno dele, belas e maravilhosas como sonhos feitos no fundo do mar. Via suntuosos desfiles dissociados e estupendas flores se consumindo, e legendárias visões de virgens se dissipando nas chamas de fogueiras prodigiosas. Ele próprio se sentia girando. Recua. Quer morrer. Sente que a intensidade da emoção ultrapassa suas forças. Mas com a velocidade do raio o samurai se levanta, vence o espaço que separa o palácio das grades e retoma a estrada com o músico ao seu lado. Um pouco antes da aurora, eles se encontram diante do pequeno templo, na margem das águas. Hoichi gira três vezes sobre si mesmo e escuta. De novo encontra-se cego e só. Então, pela primeira vez, ele cai em si e pergunta: ONDE ESTIVE?
O bonzo, que lhe havia dado asilo e vindo com a aurora retomar o seu ofício, foi surpreendido ao encontrar nesta manhã o músico encostado no muro do templo na mesma posição onde na véspera à tarde ele o havia deixado. Ele não fala, não se move até a hora do crepúsculo e quando levantavam-lhe o braço para fazê-lo comer ou mantê-lo firme sobre as pernas, ele caía por terra como um fantoche e o bonzo lhe acreditava morto. Convocou um mensageiro que envia ao povoado mais próximo com a missão de preparar o enterro e põe-se a velar o corpo. A sombra das árvores configurava temores. A noite ganhava a terra. Foi então que, apelado por não se sabe que espírito do outro mundo, o músico cego se levanta. Possuía um passo de sonâmbulo e como guiado por uma mão estrangeira tanto havia o ar inconsciente de seus próprios movimentos. O pequeno bonzo não conseguiu lhe segurar, o medo concorrendo com o cansaço. Levava a mão à boca, aos olhos e levantava a túnica com os dedos trêmulos à cada passo que davam. Chegaram assim diante das velhas grades do cemitério. O pequeno bonzo recua. Cai ajoelhado de terror. Sentiu conduzido aos limites extremos da vida. As grades estavam abertas, o som que ouve lhe parece com o entrechocar de espadas, com o barrido de elefantes fantásticos; e o músico inclinado sobre as lápides de um túmulo, a figura extática, parecia assistir o desenrolar de misteriosos feitiços e agitava sua biva com bruscos sobressaltos.


LEIA A SEGUNDA E ÚLTIMA PARTE DESSE CONTO DE ANTONIN ARTAUD EM WWW.SHVOONG.COM PESQUISE CASSIANO E LINK: A BIZARRA AVENTURA DE UM POBRE MÚSICO ? PARTE DOIS



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