Poemas Completos De Alberto Caeiro - 7prt
(anabordin)
XXXIII - Pobres das FloresPobres das flores dos canteiros dos jardins regulares. Parecem ter medo da polícia... Mas tão boas que florescem do mesmo modo E têm o mesmo sorriso antigo Que tiveram para o primeiro olhar do primeiro homem Que as viu aparecidas e lhes tocou levemente Para ver se elas falavam... XXXIV - Acho tão Natural que não se PenseAcho tão natural que não se pense Que me ponho a rir às vezes, sozinho, Não sei bem de quê, mas é de qualquer cousa Que tem que ver com haver gente que pensa ... Que pensará o meu muro da minha sombra? Pergunto-me às vezes isto até dar por mim A perguntar-me cousas. . . E então desagrado-me, e incomodo-me como se desse por mim com um pé dormente. . . Que pensará isto de aquilo? Nada pensa nada. Terá a terra consciência das pedras e plantas que tem? Se ela a tiver, que a tenha... Que me importa isso a mim? Se eu pensasse nessas cousas, Deixaria de ver as árvores e as plantas E deixava de ver a Terra, Para ver só os meus pensamentos ... Entristecia e ficava às escuras. E assim, sem pensar tenho a Terra e o Céu. XXXV - O LuarO luar através dos altos ramos, Dizem os poetas todos que ele é mais Que o luar através dos altos ramos. Mas para mim, que não sei o que penso, O que o luar através dos altos ramos É, além de ser O luar através dos altos ramos, É não ser mais Que o luar através dos altos ramos. XXXVI - Há Poetas que são ArtistasE há poetas que são artistas E trabalham nos seus versos Como um carpinteiro nas tábuas! ... Que triste não saber florir! Ter que pôr verso sobre verso, corno quem constrói um muro E ver se está bem, e tirar se não está! ... Quando a única casa artística é a Terra toda Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma. Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira, E olho para as flores e sorrio... Não sei se elas me compreendem Nem sei eu as compreendo a elas, Mas sei que a verdade está nelas e em mim E na nossa comum divindade De nos deixarmos ir e viver pela Terra E levar ao solo pelas Estações contentes E deixar que o vento cante para adormecermos E não termos sonhos no nosso sono. XXXVII - Como um Grande BorrãoComo um grande borrão de fogo sujo O sol posto demora-se nas nuvens que ficam. Vem um silvo vago de longe na tarde muito calma. Deve ser dum comboio longínquo. Neste momento vem-me uma vaga saudade E um vago desejo plácido Que aparece e desaparece. Também às vezes, à flor dos ribeiros, Formam-se bolhas na água Que nascem e se desmancham E não têm sentido nenhum Salvo serem bolhas de água Que nascem e se desmancham. XXXVIII - Bendito seja o Mesmo SolBendito seja o mesmo sol de outras terras Que faz meus irmãos todos os homens Porque todos os homens, um momento no dia, o olham como eu, E, nesse puro momento Todo limpo e sensível Regressam lacrimosamente E com um suspiro que mal sentem Ao homem verdadeiro e primitivo Que via o Sol nascer e ainda o não adorava. Porque isso é natural ? mais natural Que adorar o ouro e Deus E a arte e a moral ... XXXIX - O Mistério das CousasO mistério das cousas, onde está ele? Onde está ele que não aparece Pelo menos a mostrar-nos que é mistério? Que sabe o rio disso e que sabe a árvore? E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso? Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas, Rio como um regato que soa fresco numa pedra. Porque o único sentido oculto das cousas É elas não terem sentido oculto nenhum, É mais estranho do que todas as estranhezas E do que os sonhos de todos os poetas E os pensamentos de todos os filósofos, Que as cousas sejam realmente o que parecem ser E não haja nada que compreender. Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: ? As cousas não têm significação: têm existência. As cousas são o único sentido oculto das cousas.
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