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A Cidade E As Serras - 8 Prt
(anabordin)

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- Pois
aqui tem, o senhor de Tormes, que fez por aí todo esse bem à pobreza.
- O velho atirou para ele bruscamente o braço, que saía cabeludo e quase negro,
de uma manga muito curta.
- A mão!
- E quando Jacinto lha deu, depois de arrancar vivamente a luva, João Torrado
longamente lha reteve com um sacudir lento e pensativo murmurando:
- Mão real, mão de dar, mão que vem de cima, mão já rara!
- Depois tomou o copo, que lhe oferecia o Torto, bebeu com imensa lentidão,
limpou as barbas, deu um jeito à correia que lhe prendia a caixa de lata, e
batendo com aponta do cajado no chão:
- Pois louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo, que por aqui me trouxe, que não
perdi o meu dia, e vi um homem!
- Eu então debrucei-me para ele, mais em confidência:
- Mas, ó tio João, ouça cá! Sempre é certo você dizer por aí, pelos sítios, que
el-rei?D. Sebastião voltará?
- O pitoresco velho apoiou as duas mãos sobre o cajado, o queixo da espalhada
barba sobre as mãos, e murmurava, sem nos olhar, como seguindo a procissão dos
seus pensamentos:
- Talvez voltasse, talvez não voltasse... Não se sabe quem vai, nem quem vem. A
chegada a Flor de Malva prepara o desfecho do romance. Joaninha, que não se
apresenta sequer ruma fala na narrativa, jovem de uma formosura ímpar estaria
destinada a ser a senhora de Tormes.
Mas, à porta, que de repente se abriu, apareceu minha prima Joaninha, corada do
passo e do vivo ar, com um vestido claro um pouco aberto no pescoço, que fundia
mais docemente, numa larga claridade, o esplendor branco da sua pele, e o louro
ondeado dos eus belos cabelos, - lindamente risonha, na surpresa que alargava
os seus largos, luminoso olhos negros, e trazendo ao colo uma criancinha, gorda
e cor-de-rosa, apenas coberta cima uma camisinha, de grandes laços azuis.
E foi assim que Jacinto, nessa tarde de setembro, na Flor da Malva, viu aquela
com quem casou, em maio, na capelinha de azulejos, quando o grande pé de
roseira se cobrira já de rosas.
Cinco anos se passaram em plena felicidade por ver correrem por aquelas terras
duas fidalgas crianças, Teresinha e Jacinto. Os caixotes embarcados de Paris
enfim chegaram a Tormes e serviam para demonstrar o total equilíbrio do
protagonista, aproveitando o que poderia ser aproveitado e desprezando as
inutilidades da civilização, justificando deste modo a observação feita por
Grilo: Sua Excelência brotara". Certamente Jacinto descobrira seus
melhores valores: era feliz e fazia os outros felizes. Algumas vezes Jacinto
falou em levar a esposa para conhecer o 202 e a civilização, mas o projeto, por
um motivo ou por outro, era sempre adiado. Quem voltou a Paris foi Zé Fernandes
e lá, sentindo-se abandonado e entendiado, descobriu uma porção de fantoches a
viverem uma vida falsa e mesquinha. Percebeu que os antigos conhecidos eram
seres frágeis e vazios, idênticos entre si e massas impessoais, amorfas, feitas
para gradar ou desagradar os outros conforme seus interesses. Não suportando a
cidade, retornou a Portugal. Este serrano que anteriormente valorizava os
encantos da civilização foi tomado pelos mesmos sentimentos de Jacinto e
confirmou uma simples verdade: no fundo, reabilitou Eça de Queirós com o seu
Portugal.
Arrastei então por Paris dias de imenso tédio. Ao longo do Boulevard revi nas
vitrinas todo o luxo, que já me enfartava havia cinco anos, sem uma graça nova,
uma curta frescura de invenção. Nas livrarias, sem descobrir um livro, folheava
centenas de volumes amarelos, onde, de cada página que ao acaso abria, se
exalava um cheiro de morno de alcova, e de pó-de-arroz, de entre linhas
trabalhadas com efeminado arrebique, como rendas de camisas. Ao jantar, em
qualquer restaurante, encontrava, ornando e disfarçando as carnes ou as aves, o
mesmo molho, de cores e sabores de pomada, que já de manhã, noutro restaurante,
espelhado e dourejado, me enjoara no peixe e nos legumes. Paguei por grosso
preços garrafas do nosso rascante e rústicovinho de Torres, enobrecido com o
título de Chatêaou-isto, Château-aquilo, e pó postiço no gargalo. À noite, nos
teatros, encontrava a cama, a costumada cama, como centro e único fim da vida,
atraindo, mais fortemente que o monturo atrai as moscardos, todo um enxame de
gentes, estonteadas, frementes de erotismo, zumbindo pilhérias senis. Esta
sordidez da planície me levou a procurar melhor aragem de espírito nas alturas
da Colina, em Montmartre; - e aí, no meio de uma multidão elegante de senhoras,
de duquesas, de generais , de todo o lato pessoal da cidade, eu recebia, do
alto do placo, grossos jorros de obscenidades, que faziam estremecer de gozo as
orelhas cabeludas de gordos banqueiros, e arfar com delícia os corpetes de
Worms e de Doucet, sobre os peitos postiços das nobres damas. E recolhia
enjoado com, tanto relento de alcova, vagamente dispéptico com os molhos de
pomada do jantar, e sobretudo descontente comigo, por me não divertir, não
compreender a cidade, e errar através dela e da sua civilização superior, com
reserva ridícula de um censor, de um Catão austero. "Oh senhores!",
pensava eu "pois não me divertirei nesta deliciosa cidade?" Entrara
comigo no bolor da velhice.



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