A Cidade E As Serras - 7 Prt
(anabordin)
Era um outro Jacinto a quem o campo já não mais Era insignificante. Cada momento novo era uma nova e alegre descoberta. Enfim, era um homem de bem com a sua vida. Aproveitando a presença do amigo, Jacinto providenciou a transladação dos corpos de seus antepassados para a Capelinha da Carriça, agora reconstruída. Zé Fernandes, hábil observador do amigo, percebeu que Jacinto não se contentava em ser o apreciador passivo dos encantos da natureza. Ele queria participar de tudo, e lhe surgiam grandes idéias como encher pastos, construir currais perfeitos, máquinas para produzir queijos... Certo dia, ao percorrer seus domínios, Jacinto conheceu o outro lado da serra: uma criança muito franzina viera pedir socorro para a mãe agonizante. A partir desse momento, as decisões de Jacinto tomaram novo rumo, pois ele começou a se preocupar com o lado triste da serra, e passou a fazer caridade, reconstruir casa, dar novo alento à vida dos humildes. Em uma das inúmeras visitas que lhe fez o narrador, Jacinto confessou que pretendia introduzir um pouco de civilização naqueles cantos tão rústicos. O povo da região começou a agradecer as benfeitorias e logo passou a circular a lenda que o senhor de Tormes era D. Sebastião que havia voltado para ressuscitar Portugal. Convidado por Zé Fernandes para o aniversário de tia Vicência, Jacinto encontraria aí a oportunidade de conhecer seus vizinhos, outros proprietários. No entanto, a recepção não foi aquilo que o narrador esperava. Havia uma frieza por parte dos habitantes da região, exceto tia Vicência que o recebeu como verdadeiro sobrinho. Ao terminarem a ceia, vieram a saber porquê daquela frieza: eles pensavam que o senhor de Tormes fosse miguelista como o avô e que pretendia restituir D. Miguel ao poder. E só compreendi, na sala, quando o Dr. Alípio, com sua chávena de café e o charuto fumegante, me disse, num daqueles seus olhares finos, que lhe valiam a alcunha de "Dr. Agudos:" - ''Espero que ao menos, cá por Guiães, não se erga de novo a forca!...'' E o mesmo fino olhar me indicava a D. Teotônio, que arrastara Jacinto para entre as cortinas de uma janela, e discorria, com um ar de fé e de mistério. Era o miguelismo, por Deus! O bom D. Teotônio considerava Jacinto como um hereditário, ferrenho miguelista, - e na sua inesperada vinda ao solar de Tormes, entrevia uma missão política, o começo de um a propaganda enérgica, e o primeiro passo para uma tentativa de restauração. E na reserva daqueles cavalheiros, ante o meu Príncipe, eu senti então a suspeita liberal, o receio de uma influência rica, novas, nas eleições próximas, e a nascente irritação contra as velhas idéias, representadas naquele moço, tão rico, de civilização tão superior. Quase entornei o café, na alegre surpresa daquela sandice. E retive o Melo Rebelo, que repunha a chávena vazia na bandeja, fitei, com um pouco de riso, o "Dr. Agudo". Este jantar serviu de pretexto para o narrador mostrar a mentalidade atrasada da sociedade serrana e aquilo que a fazia sorrir Jacinto era, na verdade, um abismo entre a ignorância e o progresso. A serra estava impregnada de uma mentalidade retrógada, ainda absolutista, enquanto no final do século polvilhavam novas teorias e doutrinas filosóficas e políticas. Tentou-se ainda um jogo de voltarete para animar a noite, mas a ameaça de uma a tempestade levou os convidados a baterem em retirada. A manhã seguinte estava fresca e clara,. José Fernandes levou o amigo até Flor da Malva, para visitar sua prima Joaninha que não pudera comparecer à reunião, pois o pai, Adrião, estava acamado. No caminho, encontraram João Torrado, um velho eremita que supôs estar diante de D. Sebastião. Esta figura ilustrava o lado da profundidade do mito na mentalidade simples, saudando Jacinto como um profeta, e tratando-o como "pai dos pobres". Nele estão representadas a sabedoria e a simplicidade do povo. E um estranho velho, de longos cabelos brancos, barbas branque lhe comiam a face cor de tijolo, assomou no vão da porta, apoiado a um bordão, com uma caixa de lata a tiracolo, e cravou em Jacinto dois olhinhos de um brilho negro, que faiscavam. Era o tio João Torrado, o profeta da serra... Logo lhe estendi a mão, que ele apertou, sem despregar de Jacinto os olhos, que se dilatavam mais negros. Mandei vir outro copo, apresentei Jacinto, que corara, embaraçado.
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